quarta-feira, dezembro 29, 2010

Ano novo.

Um ano a menos de vida. Ou, como diriam os otimistas, um ano a mais que se passou. Enfim, não importa o ponto de vista. O fato é que daqui a alguns dias começa um novo ano cronológico. O ano que se vai, como todos os outros, abriga fatos e momentos que ficam. Não o classifico como ruim, apesar de todas as perdas, dificuldades e sofrimentos, aliás nunca tive o hábito de classificá-los. Eles são do jeito que são, do jeito que escolhemos que eles sejam ou, em última instância, como outras pessoas escolhem por nós (essa é a parte da vida que eu ainda não aceito). Mas, em geral, aprendi que a vida é mesmo assim - os coitados dos anos não têm nada haver com isso. Não farei festa nem estourarei champanhe, afinal, também não tenho vontade de comemorar, e se eu não vou conseguir ser hipócrita com o ano que se vai, imagine com alguém ao meu redor. Mas, acho que, pelo menos nos últimos dias do ano, uma boa notícia: pela primeira vez, depois de muito tempo, eu consigo enxergar piscas-piscas além da minha árvore de natal.

sexta-feira, dezembro 24, 2010

Um dia comum.

Eu me recordo com uma saudade gorda do tempo em que eu acreditava em Papai Noel, um velho gorducho que morava no Pólo Norte e passava o ano todo se preparando para atender os pedidos de presentes das milhões de crianças do globo. Meu Papai Noel conseguia rodar o mundo em uma noite graças às suas renas mágicas, que 'voavam' carregando o seu trenó numa velocidade supersônica, que nem os adultos poderiam compreender - quanto mais nós, meras criancinhas. Morro de saudade das noites que, ao redor da árvore de Natal (que meu avô montava) trocávamos presentes e sorríamos até a hora em que, apressada, eu me punha à dormir no intuito de esperar aquele que traria o presente que seria aberto na manhã seguinte. Muita saudade, sobretudo, da inocência e da grandiosidade que tudo aquilo - fantasia ou não - significava pra mim. Me recordo, e sinto falta também, da época em que eu acreditava no Natal. Da época em que sua essência perpassava o presépio e habitava no meio de nós de uma forma mais concreta. Da excepcionalidade que esse dia transparecia pra mim. Mas, faz bem alguns Natais, que ele tornou-se tão comum quanto os outros 364 dias do ano, e talvez ele até seja mesmo. Ou dependa mais do sentido que nós atribuimos a ele do que qualquer outra coisa, embora seu real sentido deveria subexistir por si só.

segunda-feira, dezembro 20, 2010

Chorona.

Um show de chorinho. Um deleite. Contemplo cada nota, cada músico, cada música, e ouço de chorar. Me lembro dele, mais uma vez. Meu avô adorava chorinho. E eu também adoro. Quase nunca vi meu avô chorar, exceto quando ele falava da mãezinha dele. Também choro quando penso na minha. De alma chorosa, escrevo esse post. Não tem jeito: sou uma eterna chorona.

domingo, dezembro 12, 2010

Por quê?

Passo a vida tentando entender. As coisas. As circunstâncias. As pessoas. Sobretudo, a mim. Talvez eu perca muito tempo com isso. Talvez eu não consiga entender boa parte de tudo. Talvez existam coisas mais importantes com as quais eu pudesse ocupar o tempo. Talvez minha lucidez esteja se perdendo junto com todo esse tempo que insisto em dispensar à essa estranha atividade de, simplesmente, entender. Juro que acredito em Clarice: viver ultrapassa todo entendimento. Mas esbarro contantemente na minha impotência em alcançar a plenitude necessária ao bem viver. E assim, continuo vagando por aí; mal-vivendo; buscando as respostas para tantos porquês.

quarta-feira, dezembro 08, 2010

Por educação.

Hoje, por educação, só um sorriso.

Um aperto de mão.

No máximo. Nada além.

sexta-feira, dezembro 03, 2010

Questionar.

"Uma vida não questionada não merece ser vivida."

(Platão)


Agora entendo [da minha forma] muita coisa. Aquela velha estória de que o governo não investe na educação para não criar seres pensantes, funciona em outras alas da vida também. A religião é uma delas. Antes de nos ensinarem a acreditar em Deus somos doutrinados a não questionar os acontecimentos da vida, os dogmas e as premissas que nos são anunciadas como "vontades" e "inspirações divinas", respectivamente. Eu realmente acredito que existam inspirações e desejos divinos, mas hoje eu penso diferente; penso que a grande maioria das tais inspirações não passam de conspirações humanas mesmo, e os desejos de Deus em relação a nós são sempre de bem estar e felicidade; nós que temos a mania de fingir não enxergar o melhor caminho e insistimos nos atalhos, ou, às vezes, nem é fingimento ou teimosia, é distração mesmo, e quando menos esperamos percebemos que pegamos a trilha errada . No final das contas, Deus não tem nada haver com nossas escolhas e muito menos com as consequências delas. Não tem nada haver com os nossos excessos, com nossa falta de prudência nem com nossa eterna imaturidade. Longe de estar possuida por esse racionalismo barato que existe por aí, sejamos, no mínimo, lógicos: muita coisa anunciada e enfiada na nossa cabeça contraria a lógica do próprio amor de Deus que nos é pregado. Naquele Deus carrasco e castigador que um dia eu ousei chamar de "primeiro amor", não acredito mais, e chego a duvidar que um dia eu o tenha amado; nunca vi alguém amar algo que o amedronta. Depois que comecei a questionar algumas coisas, independente de achar ou não as respostas, nasceu em mim a noção de outra figura divina: um Deus inatingível, que, se me amou até o extremo da cruz, não me condenaria por causa dos limites da minha condição humana. Um Deus que não pede nada em troca. Que leva em conta meus limites. Um Deus essencialmente amor, que me entende mais do que ninguém, simplesmente porque também me conhece mais do que ninguém. E que, como diz Fábio de Melo, não deve estar "muito preocupado com esse monte de coisa que a gente costuma achar que o agrada". Eu acho assim também.

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Realista.


"(...) Tudo era tão frágil, esse era o problema. Nenhuma novidade, claro, mas de modo geral o que fazemos é bloquear a verdade: nos recusamos a admitir que nossas vidas podem ser destruídas tão facilmente, de outro modo, entraríamos em parafuso. Todas aquelas pessoas que vivem com medo e precisam de remédios... Elas são assim porque têm consciência das coisas, da linha tênue que nos separa do desastre. Não é que não aceitem a verdade: simplesmente não conseguem bloqueá-la."

Harlan Coben

(p. 114, Livro "Confie em mim")

quarta-feira, dezembro 01, 2010

Sobre a inteligência.

 Inteligência não deve determinar muita coisa, não, visto que os seres "inteligentes" são os maiores escaladores conscientes dos perigos da vida, além de cometerem irracionalidades que não condizem com sua condição. E concluo, então, que inteligência sem sabedoria, sensibilidade e amor, não serve pra nada. Perde a patente de essencial e se torna acessória.

terça-feira, novembro 30, 2010

sábado, novembro 27, 2010

Quase Natal.

Meu avô adorava árvores de natal. Quando novembro ameaçava desperdir-se, ele se punha, em segredo, a entrar no quartinho de bagunças e desembalar a nossa velha árvore. E passava a manhã ou a tarde todinha se ocupando com bolas, enfeites e pisca-piscas. Quando terminava, ficava parado na frente dela por minutos, mãos postas para trás, esboçando um sorriso de canto de boca e um enorme olhar de satisfação ao vê-la toda pronta, bela e brilhante. Hoje eu resolvi montar a minha árvore de natal, e a lembrança dele não demorou em vir à tona com toda força. É. Agora, além das luzes e das bolas, tem uma saudade imensa embutida nos galhos da minha árvore e uma foto dele do lado dela, não pra manter a lembrança viva; esta jamais se apagará. É uma homenagem, vô. É só uma vontade de ver de novo seu sorrisão e seu olhar de satisfação. É outra forma de experimentar sua ressurreição.

quinta-feira, novembro 25, 2010

Saudosista.

Sou saudosista assumida, não nego nunca. Estranhamente, só valorizo o hoje quando ele vira ontem. É só uma sensação, não sei bem explicar. Pelo menos isso: a doce e leve recordação - ainda que tardia - misturada às minúcias de felicidade que pousaram sobre alguns dias da minha vida, lá, quando a distração e o desespero teimaram em me roubar de mim e me impediram de assistir, ao vivo e em tempo real, a beleza da vida, que se revela diariamente diante dos meus olhos, que continuam incrédulos.

segunda-feira, novembro 22, 2010

[Quase] tudo que eu queria te dizer.

Que você seja feliz. De verdade. Que pare de alimentar essa pseudofelicidade. A rosa é só uma lembrança da sua importância para nós, que diariamente burlamos a lógica do merecimento para tentar fazer permanecer a lógica do significado...

sábado, novembro 20, 2010

Trans[lúcida].

"Nunca, jamais diga o que sente.
Por mais que doa, por mais que te faça feliz.
Quando sentir algo muito forte, peça um drink."


[Caio Fernando Abreu]


Perdi a conta de quantos drinks pedi nessa vida. Dos porres folclóricos. Da quantidade de vezes que, ao final, ainda tive que me beber. Do quanto me embriaguei de mim mesma, ao me engolir a cada rodada. Do tanto que também bebi minha própria embriaguez. Da sobriedade forçada pela obrigação de ser sempre feliz. Das lágrimas vertidas no copo que temperavam o amargor daquilo tudo. Dos copos quebrados, dos cacos escondidos, em nome de uma tal perfeição - exigida; não seria digno quem não a trouxesse estampada na pele da cara. Era mais ou menos quase uma falsificação de mim mesma, embora ali fosse eu mesma. Mas, cansei disso também. Toda aquela obrigação que eu dispensava aos que me rodeavam foi desfeita. Agora, caso alguém não queira se deparar com meus dias nublados e com minhas caras de velório, com minha imperfeição e com minhas lágrimas, que feche os olhos, que se mude de perto de mim. E por favor, respeite minha trans[lucidez].

segunda-feira, novembro 15, 2010

Se acha...

Conheço gente que tinha tudo - absolutamente tudo - pra fazer a vida dar certo. Gente que podia chegar ao fim dela e concluir que os inúmeros momentos de tristeza nem se comparavam aos ínfimos momentos de felicidade. Gente que teve uma família honrada e íntegra, gente que sempre recebeu zelo e amor, mas que optou por caminhos mais fáceis e, à primeira vista, não tão tortuosos. Gente que resolveu jogar o caráter e os valores pela janela da vida em movimento e parece que agora não consegue mais encontrar. Gente que desperdiça a vida em nome de uma tal "felicidade" própria, em cima do sofrimento alheio. Que insiste em caminhar reto, sem olhar pros lados, ainda que vislumbre um abismo à sua frente, e acredita piamente que aquilo não passa de uma mísera poça d'água, a qual se pode saltar num piscar de olhos. Só que, na maioria das vezes, não pode. Mas, se acha que tem asas, quem sou eu para contrariar?

segunda-feira, novembro 08, 2010

Uma saudade sem tradução.


Não é verdade que o tempo cura todas as coisas. Ele passa e a vida parece que segue normal. Só parece. Não segue. Nunca mais vai seguir. Nada vai ser normal como antes, porque agora você não existe mais por aqui. O que existe é uma tentativa de criação de uma normalidade necessária. O que existe é o aprendizado diário de ter que continuar sem você. Existe você no meu coração, guardadinho, numa salinha VIP que pouquíssimas pessoas tem acesso. Existe uma saudade sem tradução e incontáveis lembranças da única figura de herói que trago em mim. Não é verdade que a gente vai esquecendo; é só o correr dos dias que desvia o pensamento, mas logo ele se volta a perceber a falta que você faz. Não é verdade que a idade consola; eu queria que você vivesse 100 anos. Não, mentira minha; eu queria que você vivesse pra sempre. Você foi uma das poucas pessoas que passou por esse mundo e que, sem demagogia, merecia esse portento. Mas é verdade que eu o encontro em cada nota musical que eu ouço ao longo do meu dia, em cada traço do meu caráter que você ajudou a moldar, na lua e nas estrelas que você tanto venerou durante sua vida. É verdade sim, que todo dia eu morro de saudade e ressuscito de felicidade de ter tido você como meu avô, meu orgulho, meu amor.

quinta-feira, novembro 04, 2010

O nosso sempre.




Não nos conhecemos desde a tenra infância, nem fomos irmãos de leite. Não temos o mesmo sangue, nem o mesmo DNA, embora digam por aí que nos tornamos uma só carne. Ele apenas me escolheu. Apenas pega na minha mão, segura a minha cabeça e a reclina sobre seu peito e, mesmo com seu silêncio cortante, me faz ter certeza de que eu não estou sozinha. Quando ousa balbuciar algumas poucas palavras, o faz na tentativa de me reerguer, e tanto otimismo guardado dentro daquele coração, por tantas vezes, me faz ter inveja por querer ser um pouquinho assim, como ele. Ele é a haste que me mantém em pé. Nele eu consigo reconhecer todas as nuances do amor e todos os motivos pra eu não desistir de mim. Ele tolera minhas crises existenciais e emocionais, chora comigo com a cara atolada no travesseiro noite adentro, briga e depois pede desculpa, e é justamente isso que eu acho mais bonito: essa capacidade que adquirimos de recomeçar, diariamente, apagando os pormenores impregnados nas peças que a vida tem nos pregado. Por várias vezes percebo que ele não tem noção que ocupa todo o espaço da minha alma, e, portanto, cabe, sem folgas, no meu infinito. Somos um no outro e um do outro, lá fora e cá dentro. Enquanto o nosso sempre existir.

quarta-feira, novembro 03, 2010

A mais estranha forma de amar.

Se eu contar, ninguém acredita. Se me contassem, tampouco eu acreditaria. A estória é cinematográfica, inimaginável, embora se configure uma reprise daquilo que acontece diariamente na grande maioria dos lares do planeta. Pode ser comparada a uma novela mexicana, tamanha verossimilhança. É tragédia pré-descrita desde que o mundo é mundo: por inveja, Caim matou seu irmão legítimo, Abel. Talvez por isso, não devia nos espantar tanto. Afirmo, sem a menor sombra de dúvidas: a necessidade de estar acima do outro ainda vigora. A consaguineidade, hoje, não é garantia de nada. As mais duras pedras são arremessadas da janela da nossa própria casa. Os mais cruéis atos e as mais toscas perversidades também fluem de lá. É consequência do amor-próprio em excesso - o egoísmo - que abandona sua essência e se traveste em ódio. Sim, muito estranho, mas tenho quer concordar com Fábio de Melo: o ódio é uma forma muito estranha de amar...



* Trecho da música "Contrários", autoria de Pe. Fábio de Melo (adaptado).

terça-feira, novembro 02, 2010

Um pouco sobre a morte.


Hoe fui ao cemitério. Todo mundo deveria passar por lá, no mínimo, uma vez por mês. Ali é o único lugar no qual nos deparamos com a nossa única verdade. Aqueles que alegam medo ou mal estar ao entrarem ali, no fundo, preferem não encará-la: ao final das contas, tanto suor derramado, tantos sonhos e lutas, tanta soberba e orgulho, acabam com a decomposição. As flores e as velas, emboram tragam consigo sua simbologia própria, nada mais são do que uma forma de manter acesa e bela a lembrança daquele que não mais existe nesse mundo. Nossa finitude se revela da forma mais crua que possa existir diante do sono eterno. Mas, ainda assim, continuamos aqui, cultivando nossas mentiras e nosso ódio, e gastando nosso tempo com banalidades e coisas vãs.
P.S.(Saudade, vô....)

domingo, outubro 31, 2010

Por quê?



Se Deus tem um plano na nossa vida [e com certeza deve ser um plano muito bom] por que, por vezes, ele não rompe com o livre arbítrio e os coloca em prática? Será que algum ser humano se oporia à sua própria felicidade?

sábado, outubro 30, 2010

Intimidade.


Andei pensando nessa coisa tão abstrata e ao mesmo tempo tão concreta, bem como na dicotomia que abrange sua significância em alguns tipos de relacionamento. Digo alguns, porque penso que nem toda relação tem potencial suficiente para englobá-la; intimidade é coisa facilmente confundida com libertinagem, e é justamente por isso que eu costumo, em tom de brincadeira, referir-me à ela como uma "inata destruidora de relacionamentos", já que nem todo mundo consegue entender, realmente, seu real sentido. Mas, se não destrói, acrescenta muito mais do que se possa imaginar. Não tenho dúvida que, quando bem interpretada - e bem intencionada - é a coisa mais deliciosa que pode ocorrer entre duas pessoas. É entrar no outro - literalmente ou não - e por ali morar. É conhecê-lo tanto [ou tão bem] quanto a palma da sua própria mão. É fazer-se caber e permanecer na palma do outro, sem o menor pudor, e torcer pra que a recíproca seja verdadeira. É reconhecer o cheiro a quilômetros de distância. É quando a gente pode usar o "meu" sem culpa e com certeza. É deitar na existência do outro. E por aí permanecer por um bom tempo chamado "sempre".

quarta-feira, outubro 27, 2010

Possibilidade latente.



Eu preferia não ter as pernas e nunca poder andar do que, tendo-as e podendo andar, não conseguir... O sofrimento que vem acompanhado com a impossibilidade, e a própria impossibilidade em si, são mais conformantes do que uma possibilidade latente. E impotente...

sábado, outubro 23, 2010

Desaprendendo.

"O essencial é saber ver.

Mas isso,
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender.

Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos."


(Alberto Caeiro)


Não sabem o quanto dói desaprender. Lixar a pele, até sangrar, pra desimpregnar equívocos. Gastar toda energia [que já não se tem] pra jogar fora da mente premissas escravizadoras. Incinerar idéias fundamentalistas. Desconstruir determinadas figuras. Rasgar convicções alienadoras. Derrubar tabus. Desmistificar preconceitos. Reaprender a ser humana. Tudo isso machuca, arranca pedaços e demora. Mas vale a pena; nada substitui a brisa da liberdade de ser quem você realmente é - e quer - batendo na sua cara. Absolutamente nada.

sábado, outubro 16, 2010

A unha roxa do meu pé.

Hoje eu olhei para a unha meio roxa do meu pé e lembrei de você. A unha roxa do meu dedão não tem nada a ver com você, mas é que quando você caiu, eu tinha acabado de deixar cair aquela pedra de mármore nela, e agora pronto: enquanto esse roxo não sair eu vou sempre me recordar daquele dia em que a morte, sutilmente, encontrou uma desculpa pra levar você. E aí, como num filme, eu começo a lembrar de tudo, de você no pronto-socorro, de nós dois na âmbulância, do meu choro contido ao vê-lo sofrendo daquele jeito. Lembrei das tardes que passei com você no hospital, e que eu mal sabia que eram as últimas... Aí você saiu em busca da cura, e eu nunca mais lhe vi; eu olho agora pra essa sala e consigo sentir a textura de um vazio indescritível. Eu continuo aqui, com essa saudade, com meus livros e com minha unha roxa do pé, esperando o dia em que eu vou te ver de novo, meu avô, meu amor...

sexta-feira, outubro 15, 2010

Fugas.

Nos últimos tempos tenho tentado, arduamente, fugir das minhas fugas, por mais confortáveis que elas têm sido. Fugas nos aprisionam na cela da acomodação, nos empurram para os penhascos da ilusão, paralisam a dinâmica da nossa vida. Fugas nos fazem esquecer propositalmente os pedaços inacabados da nossa existência que, por descuido particular ou maldade alheia, ficaram pelo caminho. Demorou pra que eu entendesse que a vida e todos os entraves nela embutidos têm que ser encarados de frente, que os pedaços têm que ser realocados, que história de vida mal resolvida é sinônimo de meia-vida, ainda que a dor seja forte o suficiente pra fazer parar o coração. Talvez seja por isso que hoje, em frente ao espelho, eu só consiga me enxergar pela metade; tem muito de mim perdido por aí. Hoje consigo perceber, nitidamente, que não vale a pena fingir que não vejo meus cacos [ainda vivos] vibrarem no asfalto quente, rente à mim; tudo isso me é muito claro: não mais adianta me esquivar tanto da vida que eu tenho, porque a vida que eu tenho sou eu. E, sendo assim, muito menos adiantaria correr de mim, porque, ao fim do dia, eu sempre me encontro comigo no travesseiro mais próximo...

terça-feira, outubro 12, 2010

Sobre fé.

Penso que ter fé não é somente possuir uma clara certeza interior acerca daquilo que não se vê; é muito mais do que isso. Fé é movimento. É [também] correr atrás de algo que você nunca viu, que talvez nem exista, mas que a gente luta pra inventar. Afinal, se pensamento positivo, apenas, ganhasse copa do mundo, o Brasil seria dodecacampeão. E olhe lá.

domingo, outubro 10, 2010

Dias brandos.

Os dias têm sido brandos, como há muito não eram. Tenho medo desses dias, embora os houvesse desejado com tanto fervor. Enquanto eles passam, fico aqui, quietinha. Só sinto. Nem falo. Não alargos os passos. Não enxergo além do segundo que me precede. Não esboço sorrisos maiores do que a minha cara. Procuro frear o pensamento; a intenção é que ele acompanhe o meu hoje. Expectativa? Nem conheço essa palavra. Observo a ponta do raio de sol que ousa surgir nesse lado da minha vida, sem alarde. Por mais lindo que tudo possa parecer, não sei o que me aguarda na lua seguinte. Não é pessimismo. É coisa minha mesmo. É que eu não me engano: não é porque temos as armas que a guerra já está vencida. Só quem apanhou demais nessa vida entende o que eu digo. No entanto, não paro. Continuo a luta. Mesmo que a tal felicidade nunca chegue. Talvez [mais uma vez] ninguém entenda. É estranho. É coisa de gente que conseguiu encontrar o errado no "certo", e assim, se perder por completo. É coisa de gente que conseguiu encontrar no "errado" o caminho de volta. É só isso.

quinta-feira, outubro 07, 2010

Meu querido, meu velho, meu amigo.


Não há um dia, desde que você se foi, em que eu não pense em você. Pode até parecer exagero, mas sua lembrança é quase que constante na minha mente. Nem quando você estava entre nós, meu pensamento se debruçava tanto em perceber sua existência, ainda que nos víssemos frequentemente. É que a morte tem dessas coisas. Além de conduzir para a eternidade a pessoa que parte, tem o poder de eternizá-la em nós, sob a forma mais sublime que alguém possa existir: *na sagrada saudade que deixa continuar.
* Frase da música "Perdas Necessárias", autoria de Fábio de Melo.

quarta-feira, outubro 06, 2010

Intimidade (por Caio Fernando Abreu).

"E se realmente gostarem? Se o toque do outro de repente for bom? Bom, a palavra é essa. Se o outro for bom para você. Se te der vontade de viver. Se o cheiro do suor do outro também for bom. Se todos os cheiros do corpo do outro forem bons. O pé, no fim do dia. A boca, de manhã cedo. Bons, normais, comuns. Coisa de gente. Cheiros íntimos, secretos. Ninguém mais saberia deles se não enfiasse o nariz lá dentro, a língua lá dentro, bem dentro, no fundo das carnes, no meio dos cheiros. E se tudo isso que você acha nojento for exatamente o que chamam de amor? Quando você chega no mais íntimo, No tão íntimo, mas tão íntimo que de repente a palavra nojo não tem mais sentido. Você também tem cheiros. As pessoas têm cheiros, é natural. Os animais cheiram uns aos outros. No rabo. O que é que você queria? Rendas brancas imaculadas? Será que amor não começa quando nojo, higiene ou qualquer outra dessas palavrinhas, desculpe, você vai rir, qualquer uma dessas palavrinhas burguesas e cristãs não tiver mais nenhum sentido? Se tudo isso, se tocar no outro, se não só tolerar e aceitar a merda do outro, mas não dar importância a ela ou até gostar, porque de repente você até pode gostar, sem que isso seja necessariamente uma perversão, se tudo isso for o que chamam de amor. Amor no sentido de intimidade, de conhecimento muito, muito fundo. Da pobreza e também da nobreza do corpo do outro. Do teu próprio corpo que é igual, talvez tragicamente igual. O amor só acontece quando uma pessoa aceita que também é bicho. Se amor for a coragem de ser bicho. Se amor for a coragem da própria merda. E depois, um instante mais tarde, isso nem sequer será coragem nenhuma, porque deixou de ter importância. O que vale é ter conhecido o corpo de outra pessoa tão intimamente como você só conhece o seu próprio corpo. Porque então você se ama também."



Caio F. Abreu


P.S.(Um agradecimento póstumo e especial a você, Caio, que com seu jeito humano de tecer as idéias, soube fazer uso perfeito das palavras e ajudar no meu crescimento enquanto pessoa. Daí de onde você está, receba um abraço forte, um abraço humano, de alguém que te admira muito. E saiba que você faz muita falta aqui, no mundo das letras.)

segunda-feira, outubro 04, 2010

Circunstâncias.


Mais uma compreensão, em menos de uma semana: somos todos - sem exceção - vítimas das circunstâncias. E é mesmo impressionante como elas têm o poder de determinar o nosso destino. Nossa história. Nosso meio, e, se permitirmos, nosso fim.

sexta-feira, outubro 01, 2010

72 possibilidades.

Foi extremamente difícil entender que as escolhas das pessoas são escolhas das pessoas, e que eu tenho que respeitá-las, mesmo que tais escolhas as façam sofrer. Muito mais que difícil, foi necessário entender pra poder continuar. Talvez eu tenha demorado tanto para aceitar isso porque a liberdade, bem como toda gama de opções que existem na vida, nunca me foram apresentadas. Me apontaram o 8 e o 80, e se esqueceram de me dizer que entre eles existiam 72 possiblidades...

quarta-feira, setembro 29, 2010

Prefiro assim.


Ontem, bem de longe, avistei a esperança. Do outro lado da rua da minha vida. E tive medo de tê-la novamente. De vê-la escapulir mais uma vez por entre os interstícios dos meus dedos. De cair, de novo, na rede pegajosa da frustração que existe lá no fundo do poço. Muito medo. De voltar àquela esquina onde eu me punha todos os dias a esperar pela felicidade prometida. Quanto medo! Das poças d'agua beirando a calçada, da lama na cara, dos pés doloridos, da volta pra casa sob a penumbra das ruas. Da dor se intenficar, de eu não mais resistir. É, eu avistei a esperança. Mas me escondi. Ninguém entende. Às vezes, nem eu. Mas, acredite; por enquanto, prefiro assim.

segunda-feira, setembro 27, 2010

A felicidade.

Ah, a felicidade! Esse sol brilhante e ardente que resolveu estagnar no poente da minha vida fazendo dela um crepúsculo sem fim! Meu céu alaranjado, riscado de tons azuis-violeta, fim de tarde, fim de vida. E eu ainda na metade dela. Há tanta tristeza! Tanta, tanta, imersa nesse raro paradoxo que, apesar de obscuro, consegue ser lindo de se ver! É inegável a beleza embutida na melancolia que reveste essa hora. Essa vida. Essa história. É quase dor de parto; um enorme sofrer de onde ressaem subtons de sorrisos daquela que espera, ansiosamente, a alegria pousar em seus braços. Ah, a felicidade! Essa erupção de sentimentos inexplicáveis. Esse estado de espírito que, ainda que curto, traz consigo o poder de ecoar eternidade adentro. Essa brisa forte que traduz o enlevo da alma. Esse eclodir de secreções e moções. Em mim, uma existência inteira salivando por ela, num desejo insano de degluti-la. E um medo absurdo de que esse dia nunca chegue.

domingo, setembro 26, 2010

Cansei.

Era tudo mentira. Essa história de que eu sou forte, de que eu aguento tudo, de que eu sei lidar muito bem com minhas dores. Tudo mentira. Eu não sou, eu não aguento, eu não sei. Talvez já fosse tempo de estar sendo, aguentando, sabendo. Mas, consigo admitir. Ainda não. A dor me lentifica, me desarma, me paralisa, sobretudo quando alcança seu limiar. Ela me gasta, e eu vou ficando menor a cada dia. Rouba meu raciocínio, me tortura. E eu ainda sou obrigada a acordar cedo todos os dias e a sorrir pra todos os gentis viventes como se nada acontecesse por trás das cortinas da minha alma. Eu ainda sou obrigada a acreditar que "vai passar", que "amanhã vai ser melhor", que "a vida é assim mesmo". E pode até ser que passe, que melhore, que ela seja assim mesmo. Só que eu cansei. Cansei de mentiras travestidas em verdades. E podem me chamar de leviana, desviada, metamórfica ou o que seja... eu só quero me dar o direito de cansar. De chutar o pau da barraca, de mandar tudo pra p.q.p, de acreditar no que eu quero acreditar sem ninguém buzinando supostas verdades no pé do meu coração. Quero criar as minhas. Tomar as rédeas da minha vida. Porque se for pra ser infeliz pelo resto dela, que seja consequência de uma escolha minha, e não de outrém. Por uma questão de justiça. Só por isso.

De novo, saudade.

"... Eu continuo aqui com meu trabalho, meus amigos
E me lembro de você em dias assim
Dias de chuva, dias de sol..."

(Renato Russo. Música: Love in the afternoon)

quarta-feira, setembro 22, 2010

Eternizar.

Algumas pessoas, nessa vida, se eternizam por si só. Outras, temos que nos esforçar para fazê-las eternizar-se, e, ainda assim, sem garantias de sucesso. Mas, aprendi uma coisa: melhor sondar, antes, se elas querem mesmo ficar.

terça-feira, setembro 21, 2010

Muito triste.


É triste - muito triste - ter que admitir no meu pensamento tanta coisa acerca de você. Suas escolhas errôneas, seus mecanismos de defesa inimagináveis, sua despersonificação manifestada pelo surgimento de um ridicularismo sem tamanho e tanta inverdade pairando por aí me incomodam e envergonham, me entristecem e me emudecem, trazendo consigo o pior gosto que um ser humano pode experimentar com relação ao outro: o da decepção. É triste ter que carregar você como um fardo tão absurdamente pesado, que minhas canelas de sabiá não conseguem mais suportar. Que você, que tinha que ser minha força pra sempre, é o maior símbolo da minha fraqueza. É muito triste concluir que fingir que você não existe é a mais plausível opção que eu tenho pra poder continuar sem maiores sequelas. É triste. Muito triste.

domingo, setembro 19, 2010

Tão injusta.

Morre a esperança, mas a vida continua, imersa num submundo tenebroso de falta de sentido e horizonte. Ela morre, e depois de morta, também mata homeopaticamente aquele que permitiu sua morte. Teoricamente, nada mais justo, nessa vida tão injusta. Mas, na prática, é só mais injustiça se perpetuando.

quinta-feira, setembro 16, 2010

Um mês.


Hoje fez um mês que você partiu e eu ainda não consigo acreditar. Eu ainda acho que você viajou pra Salvador, que vai surgir do seu quartinho de música de repente, ou vai chegar da rua com mais um DVD pra me mostrar. Hoje fez um mês que aquele vazio se instalou, que eu procuro você pelos cantos, que eu ouço Nat King Cole e só sei lembrar de você e dos momentos que eu vivi no largo tempo que eu passei por perto, convivendo diariamente - muito mais que a metade da minha vida. Faz um mês, e é mesmo como me disseram: uns dias de brandura, outros de uma saudade que aperta o peito sem piedade, e me faz chorar como chorei no dia em que você partiu. E eu me viro pra aquela sua foto enorme na parede lá da sala, e mesmo chorando, sorrio, porque não consigo mais encontrar tristeza nessa ausência; só uma saudade que não tem nome nem tamanho, só uma paz imensa concentrada no seu sorriso tão cheio de humildade. E por fim me comprazo mais uma vez em ser sua continuidade. Porque você partiu, vô. Mas continua existindo em mim.

quarta-feira, setembro 15, 2010

1+1 = 1

É estranho como alguém que você nunca havia visto na vida, um dia aterrisa nela [do nada] e, aos poucos, passa a correr nas suas veias e a correr do seu lado, a pulsar com seu coração e com sua vida. É estranho que existam afinidades tão afins a ponto de superarem discrepâncias enormes. Estranho que, de repente, a matemática se contradiga, e 1 + 1 continue sendo um. Muito estranho. Que anos tenham se passado num piscar de olhos, e que tantas oscilações não tenham conseguido extinguir essa chama, que aquece muito mais do que cresce, que a vulnerabilidade da nossa humanidade mais fortalece do que limita, que pode até ser finito, mas parece que, por si só, não quer ter fim.

segunda-feira, setembro 13, 2010

Frustração.



"Passei a maior parte da minha vida enriquecendo uma longa espera pelos grandes acontecimentos. Agora compreendo a estranha inquietação, o trágico senso de fracasso, o profundo descontentamento. Eu estava esperando a hora de expansão, do viver verdadeiro..."


(Anais Nin)

quinta-feira, setembro 09, 2010

Pra (quem quiser) refletir.

"(...) As promessas que se fazem a Deus são sempre promessas de sofrimento: fazer caminhadas de joelhos, passar seis meses sem beber refrigerante, fazer jejum... Então é o nosso sofrimento que faz Deus feliz? Deus é sádico? Prestem atenção: não sou eu que estou dizendo. Isso não é blasfêmia minha. É blasfêmia de quem promete casca de ferida a Deus."
Rubem Alves
(In: "Ostra feliz não faz pérola. 2008.)

quarta-feira, setembro 08, 2010

Alegria.

Vocês chegaram! E meu coração se alegrou.
Foram quatro anos e meio de distância.
Quatro anos e meio sem abraços nem bate-papo.
E nossa amizade, fortalecida na rocha.
Nem o tempo nem a distância abalaram.

domingo, setembro 05, 2010

Fragmentos de incompletude.

Eu fico olhando pra o tempo e fazendo uma contagem regressiva reversa. Lembrando dos dias que iam nos atropelando e a gente ali, sem saber que eram os derradeiros. Agora os dias continuam velozes, precipitados e precoces, passando por cima de tudo e de todos, e nós continuamos achando que temos uma vida inteira pela frente, sem levar em conta o que nos reserva o virar da próxima esquina da vida. A gente continua com a idéia fixa de que as coisas só acontecem na casa do vizinho e que a comemoração dos nossos 90 anos será uma festa de arromba, deixando tudo para amanhã - como se, certamente, ele fosse chegar. Então, eu me indago - incompleta que sou - como um dia Inês Pedrosa, sabiamente, se indagou (acho que ela também era incompleta): "por que vivemos como se o tempo nos pertencesse infinitamente, como se pudéssemos repetir tudo de novo, como se pudéssemos alguma coisa? (...)"

sexta-feira, setembro 03, 2010

Vida séria.


Todo mundo diz que eu levo a vida muito a sério.
Mas eu só estou sendo recíproca:
é mesmo assim que ela me leva,
sem nenhum esboço de sorriso na cara.
E faz tempo.

quinta-feira, setembro 02, 2010

Perder na vida.

Muito mais do que ensinar como vencer na vida, as escolas, a família, os meios de comunicação, as religiões e os manuais de auto-ajuda deveriam nos ensinar a perder na vida. Se aprendessemos essa lição, talvez a vida não soasse nesse eterno tom de competição, e nossas necessidades urgissem de uma forma menos ensurdecedora. Se soubéssemos perder, o fim seria menos turbulento, os sofrimentos seriam mais brandos, e, com certeza, saberíamos aproveitar o tempo de uma forma tal, que a vontade de voltar nele praticamente não existiria. Talvez déssemos mais valor às pessoas, talvez fôssemos mais gratos e menos orgulhosos, mais compadecentes e menos julgadores, e a ganância de estar sempre à frente daria lugar à delícia presente na quietude das horas certas de ficar. Se soubéssemos perder, ganharíamos muito mais, tão mais, que quando perdêssemos, nem perceberíamos.

sábado, agosto 28, 2010

Correndo praí.


Você chorando. E eu aqui, querendo correr praí, que nem você corria pra mim quando eu era pequena e chorava com medo do escuro. Querendo arrancar essa dor do seu olhar e depositar em mim, afinal, por incrível que pareça, apesar de bem mais jovem, ando mais calejada que você, e eu não me importaria em ter que carregar mais uma dose só pra vê-la sorrir logo. Eu imagino a solidão que você sente, embora esteja praticamente o dia todo ladeada por tanta gente. Ninguém nunca vai substituir sua metade que se foi. Eu perdi meu vôzinho; você, seu companheiro de mais de meio século. Incomparável. Eu nunca imaginei minha vida sem os dois: a foto de vocês já desbotada no meu criado mudo gritava isso todo dia.Eu ainda não consigo visualizar você sem ele ao longo dos próximos dias, mas vou ter que arrumar um óculos, porque esses dias virão. Também não vou mandar você parar de chorar. A morte é uma sacanagem mesmo, e ponto. A dor ainda é aguda demais, e lateja sem dó. Talvez porque esteja tudo muito recente ainda. Talvez porque seja assim mesmo. Talvez passe logo. Talvez não. Mas, olha, vó, já terminei o post. Me espera; tô correndo praí.

quarta-feira, agosto 25, 2010

Saudade.

“Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.” (Martha Medeiros)

Já declamei versos de saudade, já cantei suas nuances e julguei senti-la de forma constante em toda sua intensidade, até a morte me assaltar e me fazer descobrir que saudade mesmo é o vazio que grita quando a gente busca com os olhos em todos os cantos da casa aquela presença tão estimada, mas só encontra vestígios de alguém que passou por ali mas já se foi. Saudade é a falta do abraço frouxo, mas tão denso de amor, do beijo envergonhado e da benção silenciosa. Saudade é uma vontade forte de ver de novo, é a dor de não mais poder, é o medo da ausência perpétua. É a lágrima que rola de madrugada quando vem a certeza de que o sol vai chegar novamente, vai iluminar aquele canto, mas ninguém vai mais estar ali pra sentir seu calor. Como diz Fábio de Melo, a saudade é a forma que quem foi arranjou pra ficar. É a forma que quem ficou arrumou pra continuar.

domingo, agosto 22, 2010

A genética.

"A família é uma instituição divina - Jesus nasceu no seio de uma família, ainda que num estábulo e distante da própria casa - mas ali estava uma família, de humildade extrema, porém de grandeza absoluta. Assim foi que se formou nossa família, em verdade, humilde, mas cheia da graça divina transformada em fé e amor. Eu e Elza - a companheira querida - o embrião de uma família, um lar. Nós sempre fomos mãos seguras no arado, firmes no trabalho, na construção do patrimônio que, se não é grande, é o bastante para nós, e somos gratos a Deus por tê-lo. Em momentos diferentes de nossa vida, chegaram nossas filhas... Maria das Graças, Gal, e Maria de Fátima (Fada, e com mais ternura, Fadita). Era a felicidade completa, a razão de ser de nossa própria vida - motivo maior de nosso trabalho, alegria para viver; descrever o que está no coração é impossível através das palavras. Esse enlevo natural da família... batizados, 1ª comunhão, 15 anos, estudo, formaturas... até que um dia aconteceu o amor, e Gal foi com o cavalheiro dos seus sonhos, o ser amado. Guardamos na memória os lances mais belos do casamento. Noiva e bela, Juracy a recebeu para tê-a como esposa e companheira, a mãe da netinha que eu amo: Marianne. Fátima, filha batizada sob a invocação de Nossa Senhora de Fátima. Se nosso desejo fosse (e era) o seu casamento no altar de Santo Antônio, o destino nos colocou aos pés do santo de nossa escolha, com a presença da imagem de Nossa Senhora de Fátima, madrinha de nossa filha. Meu caro José Neto, estou vivendo o momento mais feliz de minha vida - trago minha filha para ser sua esposa com a benção do matrimônio, o presente maior na data do meu aniversário. Ame-a o quanto nós a amamos - e com o mesmo amor vamos amar você como um filho. Dou graças a Deus por esta hora, e pelo que estou vivendo. Minha filha, Deus a abençoe."

[Geraldo Teixeira - in memorian]


(Crônica escrita e lida em 07/05/1988, data de seu aniversário, na cerimônia de casamento da minha tia).
P.S. (Meu avô completou apenas o Ensino Fundamental II - até a 8ª série)

sexta-feira, agosto 20, 2010

Naquela mesa.

"Naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim..."

(Sérgio Bittencourt)


Hoje minha avó retornou à casa de vocês. Foi duro, mas ela é forte - bem mais do que eu pensava. Abriu a bolsa com carinho, tirou a sua aliança e colocou no dedo dela. Chorou um pouco, lembrou do juramento que fez no altar e disse com a voz engasgada de saudade: "na alegria e na tristeza, na saúde e na doença". Chorou de novo e chamou a gente pra almoçar. A mesa já estava posta. Ela sentou-se e chorou, vô. Não tinha como não chorar. O lugar da mesa vazio. Parecia que você ia chegar a qualquer momento... mas você não chegou. Nem vai mais chegar. Sensação pior nessa vida não há. E o pior é que a lacuna não é só geográfica; ficou um buraco na alma de cada um lá de casa. As lembranças, de tão vivas, pululavam das nossas mentes, dos nossos corações e vertiam gotículas de lágrimas nos nossos rostos saudosos. Mas, a sacralidade da mesa permanece. Aquela mesmo, que você sempre prezou e nos ensinou. E seu prato também.

segunda-feira, agosto 16, 2010

Nunca mais.

O que dói é o nunca mais. Nunca mais ver você, nem seu sorriso puro e já cansado, nem seu jeito, que de tão simples era o mais lindo que havia... nunca mais ouvir sua voz grave e forte, nunca mais sorrirmos juntos na mesa com você chupando laranja e contando piadas depois de comer aquela farofa de feijão. Já dói. Entrar lá na casa. Seu lugar no sofá, na mesa... naquela vida que era tão nossa. O vazio, não se mede. A dor, não tem nome. Nunca mais. Você cochilando na hora da novela. Seus pijaminhas nem seus chinelinhos que minha vó escolhia com tanto bom gosto e amor. Você me chamando de "Ninha". Nem você me oferecendo coalhada de manhã cedo e eu dizendo: "eca, vô!". Dói demais a certeza de que os anos vão passar, e meus filhos não terão o privilégio de olhar no seu olhar e admirá-lo tanto quanto eu pude. Dói ficar órfã de avô. E nunca mais poder te dizer que eu te amo seguido de seu "obrigado" desconcertado e de seu sorriso desconcertante. Dói tanto vô! É espada que transpassa a alma. Você levou um pedaço de mim, mas deixou tanto ensinamento de como ser humana, de como ser melhor, que eu tô começando a acreditar que esses vinte e oito anos que Deus me permitiu passar com você foi mais do que uma simples dádiva: foi carinho de Deus para mim. Obrigada pelos genes da música e da escrita, do gosto pela leitura e da inclinação para o bem; não tenho dúvida que vieram de você. Minha maior alegria e meu maior orgulho é o maior título que tenho, que você deixou pra mim, cravado na alma, nos cartórios e no sangue, e que nem a sua morte nem a minha poderão me arrancar: ser a NETA DE GERALDO TEIXEIRA. Eternamente, vô... eternamente.

sexta-feira, agosto 13, 2010

Quem?


"Minha lâmpada de cabeceira está estragada. Não sei o que é, não entendo dessas coisas. Ela acende e, sem a gente esperar, apaga. Depois acende de novo, para em seguida tornar a apagar. Me sinto igual a ela: também só acendo de vez em quando, sem ninguém esperar, sem motivo aparente. Para a lâmpada pode-se chamar um eletricista. Ele dará um jeito, mexerá nos fios e em breve ela voltará a ser normal, previsível. Mas e eu? Quem desvendará meu interior para consertar meus defeitos?"


[Caio Fernando Abreu]