domingo, maio 20, 2018

Domingo.




Querido Heitor,

Depois de fugir de lembrar de você ao longo de toda a semana, chega o domingo e a impressão que dá é a de que todo o esforço foi vão. Eu sempre achei domingos dias tão nostálgicos, Heitor, e os últimos têm sido cortantes nesse quesito. Quando tudo terminou eu fiz o que sempre faço quando o chão foge dos meus pés e o horizonte das minhas vistas: choro. Choro muito. Choro pela falta que sobra, pelo verbo acontecer no gerúndio que não dá mais pra conjugar mas sobretudo pelo que não deu tempo de acontecer. Tenho péssima resistência à expectativas frustradas, confesso. Eu derreto e transbordo mesmo. Gasto a dor e a tristeza, faço elas escoarem pelas calhas do sofrimento. Me afundo na cama e me afogo com minhas lágrimas no travesseiro. Eu me torço pra extrair de mim o que tá machucando. Eu grito, conto pra todo mundo, me vitimizo e me vilanizo numa alternância que até assusta. Mas ao fim eu sempre me levanto, Heitor. Estou me levantando. Todo mundo tem um botão de restart que, cedo ou tarde, consegue alcançar e ligar e aí acontece o que chamam de superação, e comigo nunca foi diferente. Você não é o primeiro que me acomete um amargor tão insuportável, embora tenha sido o mais infernal de todos. Mas, espero que tenha sido o último.


A propósito, passei naquela disciplina tão difícil. Estudei tanto, Heitor, dia e noite. Desenhando as fórmulas e moléculas, me lembrei de você me ajudando a estudar a mesma coisa ano passado. Lembrei dos nossos planos de Europa, filha, apartamento e moto 300 cilindradas.  Volvi minha mente àquele dia e me vi voltando a procurar respostas que eu já tinha guardado naquele meu bolso furado de sempre para que se perdessem no tempo por acreditar que pra seguir em frente eu tinha que lidar diretamente com o fato presente, e o fato presente é que você não está mais aqui. Pior, você me deixou. Quis me deixar. Por livre e espontânea vontade, Heitor. Voltei, e me vi como que entrando no World Trade Center naquele 11 de setembro. Como alguém que acorda, sai para trabalhar, entra num prédio e de repente ele implode com você dentro dele. Mas ao mesmo tempo como alguém que sobreviveu aos destroços. Como alguém que, ainda que odeie clichês, não pode se encaixar em outro mais exato: eu domino a arte de renascer das cinzas.

É lei natural dos mundos que ciclos se fechem para que outros se abram. Você foi um ciclo que se fechou para que outros na minha vida se fechassem também, mas isso é assunto pra outra carta. Prometo enviá-la em breve. Por mais que não me leias, preciso dizer-te. Talvez seja uma forma de parir tua ausência, ainda que de pedaço em pedaço.

Gabriel Chalita fala que a dor de uma paixão passa se tivermos maturidade para conversar com o tempo. Eu acrescento: e também com o afastamento. O que os olhos não vêem o coração não sente, Heitor, mesmo que eu ainda te sinta todos os dias. Impressões digitais deixadas na alma são indeléveis, meu caro, não sei se você tem sensibilidade para entender isso. Ainda te sinto.

Com sentimento, sensibilidade e sentido,

Helena




terça-feira, maio 15, 2018

E se.



Heitor,

A memória do meu celular anda acusando-se cheia diariamente. Todos os dias emite mensagens gritando para que eu a esvazie de alguns megas. Ele continua lento como uma tartaruga. Preciso urgente achar espaço nos meus dias para fazer isso. Ou seria coragem, já que grande parte dessa ocupação se deve às nossas fotos? Eu ainda não as apaguei, Heitor. Talvez seja esse o motivo de seus intermitentes pedidos de evacuamento: até ele sabe o que é melhor pra mim.

E por falar em memória, vira e mexe, tantas reminiscências nossas, ousadamente, emergem... Juro que não as evoco Heitor, juro por tudo que vivemos. Acontece que sempre acontece algo que me remete a um fato pretérito nosso. Pretérito no sentido cronológico, apenas.  A memória é um dispositivo cerebral capaz de atemporizar tudo, até o que a gente não queria. Uma música, um lugar, um cheiro. Uma porta que bate. Sim, Heitor, uma porta que bate. Ontem mesmo, lembrei do dia em que você me agradeceu por não ter batido aquela porta. Em uma de nossas raríssimas discussões, saltei violentamente do carro e abri a porta da minha casa. Fiquei parada ali, mais de um minuto, sem saber o que fazer. Observava teu semblante aflito dentro do carro, através da minha visão periférica. Braços debruçados sobre o volante, olhar perdido no horizonte. Observava as batidas do meu coração já apaixonado por você. Minutos antes você tinha me dito que não aceitava ser menos que  meu tudo, e eu já tinha tomado uma decisão interior de nem ser nem fazer de ninguém algo tão perigoso quanto ser o universo de alguém. 

Eu sempre tive medo de tudo, menos de me atirar de penhascos e naquele momento, Heitor, você era um dos penhascos mais profundos que a vida me apresentara até aquele dia, por uma gama de coisas que agora não convém entrar no mérito. E eu tive medo, mas lá no fundo, pelo menos uma vez na vida eu também queria experenciar essa coisa de ser tudo pra alguém, como você dizia que eu já era pra você. Eu tinha em uma mão as chaves de casa e na outra as chaves de um futuro. Eu não entrava, você não arrancava o carro. Durante aqueles segundos pensei em quantos amores já tinha sido abortados em nome de receios, orgulhos, dúvidas, e voltei. Voltei, te disse dez desaforos, você me beijou, e fomos felizes enquanto nosso sempre durou.

Eu sei que aos trinta e tantos essa síndrome da cinderela já deveria ter desaparecido, mas eu prefiro culpar meu sol e minha lua em Peixes por não conseguir me livrar da atropeladora intensidade que me acomete.

Hoje, Heitor, eu fico me perguntando o que teria acontecido se eu tivesse batido a porta, subido as escadas, metido a cara no meu travesseiro e chorado até amanhecer do dia. O quão melhor ou pior teria sido. Onde e com quem eu estaria agora. Quantas lágrimas eu teria evitado e quantas inimizades eu não teria feito. Penso no espaço mais livre que minha caixinha de equívocos teria. Mas também penso em quantos pores do sol eu deixaria de ter assistido com a cabeça reclinada sobre teu ombro e em quantas noites de sono eu teria perdido com a cabeça reclinada sobre teu peito. Em quantas viagens eu deixaria de ter feito, e em quantos lugares fantásticos eu não teria conhecido. Eu fico me perguntando mas a verdade é que nunca saberemos como seríamos caso nunca tivéssemos sido. Mistério que ficou eternamente trancado a sete chaves num baú chamado tempo.

Mergulho então em uma das minhas premissas interiores mais certeiras e me acalmo: nada em vão nos acontece. Enfrento os dias fundamentada em outra: essa dor também há de passar. Adormeço ninada pela paz que aquela escolha me traz: sempre será melhor arriscar do que colecionar "e se's", não importa qual seja o fim.

Com certezas confortantes,

Helena

segunda-feira, maio 07, 2018

Assumindo.



Querido Heitor,

Preciso começar a assumir determinadas coisas para mim mesma. Assumir é meio que como trazer algo à tona e torná-lo passível de despedida, desligamento. Longe de mim querer te esquecer, Heitor. Não porque tu é especial, mas porque trata-se de algo impossível, e faz um tempo que eu desisti de realizar esforços vãos. O que se vive, sobretudo da forma intensa a qual vivemos, a memória eterniza. Quão longe o futuro avance, eu sempre hei de recordar de tudo que vivemos, talvez com o embotamento peculiar que o tempo acaba por imprimir aos momentos, mas, salvo eu me torne amnésica, esquecer, é impossível. Ninguém esquece ninguém, apenas arquiva, uns em locais pouco acessíveis, outros em compartimentos mais impérvios. Eu sempre fico com a primeira opção, não por escolha própria, mas porque  o meu extremismo funciona no mecanismo da proporcionalidade: um amor intenso, uma indiferença idem.

Assumir que nosso fim me trouxe alívio além da dor, dói, porque me faz também assumir que eu mentia pra ti quando tu me perguntava se eu tava feliz. Eu te respondia que sim, e realmente tava. Feliz contigo, ainda que o teu entorno me comprimisse sem nenhuma dó. Juro que tentava chorar escondido no banheiro, sorrir o tempo todo, fazer brilharem os olhos, enquanto aguardava tuas decisões, mas minhas lágrimas e meu sorriso são tão desobedientes quanto minha alma é transparente. Havia um ninho só nosso, e nele eu era estupidamente feliz contigo. Mas o mundo não era você, Heitor, e por mais que eu quisesse que fosse e fizesse tudo pra ser, você nunca seria. 

Tu era meu número ao mesmo tempo que eu tinha que me reduzir pra caber em ti e no teu mundinho tosco de drogas, sexo e rock'roll, literalmente. Tu me completava e, bêbada de paixão, eu achava que aquilo me bastava. Eu acho que substantivo nenhum te adjetivaria tão perfeitamente quanto o que eu te dei numa noite daquelas, antes da gente dormir: tu era meu oásis. A primeira vez que eu te dei esse título não tinha um porquê além do significado de prazer e paz, próprio do local geográfico. Mas hoje entendo o sentido amplo e superior disso tudo: tu era meu oásis porque de dia, ao meu derredor, só tinha deserto mesmo. 

Resolvi fundir nossas vidas na expectativa da soma, mas eu fui esmagada pela tua realidade de uma forma a qual eu nunca te relatei na íntegra, e nunca o farei. Já não faz mais sentido falar sobre. Pelo menos até a minha cura completa, não. Às vezes eu retalhava meus incômodos, mas tua insensibilidade sempre gritou mais alto, forte prenúncio de onde e como o rio das nossas vidas iria desembocar. Em nome de um otimismo desmedido, que na verdade tratava-se de uma louca vontade de fazer as coisas darem certo, eu sempre optei por continuar. Mesmo pressentindo os piores possíveis finais eu jamais neguei minha natureza de ir até o fim. Contigo eu me sentia completa, porém angustiada. Hoje falta você mas eu sinto paz. Deve ser por isso que alguns doentes terminais preferem morrer em casa. 

E dói ter que assumir isso. Dói destruir ilusões, porque elas são o que de mais perfeito nossa condição humana pode construir. Dói, pra uma intensa de carteirinha como eu, perceber que a razão tem falado, ultimamente, e tem sido ouvida. Dói ter certeza que eu me apaixonei por um protótipo de príncipe encantado. Que, longe de príncipe, tu é um sapo daqueles brejos de quinta. Que eu amo um cara que não existe e nunca existiu. 

Mas mesmo doendo isso tudo, eu sinto paz e não a trocaria para voltar contigo, porque voltaria você e todo seu entorno, com suas margens estreitas, e afluentes, e eu me afogaria e continuaria vivendo uma morte em vida. E eu quero a vida pra viver, Heitor, não pra minguar. Eu só te queria sem tantos afluentes tão influentes. Eu te queria com menos declives. Te queria rio em cima da montanha, mas tu não é assim. Tu não é pra mim.

Entretanto, viveria tudo de novo, porque foi muito bom te ter e ser sua no curto espaço de tempo que nossa história se deu. Porque o que vivemos acabou, mas de alguma forma, tu ficou. Na memória, nos riscos, no sangue. Lembranças não perecem, Heitor. O bem que tu me fez, também não.

Com paz no coração,

Helena.

domingo, maio 06, 2018

Pra que saber?




Bom dia, Heitor!

Veja como são as coisas... soube que você encontrou o Tony pela rua e perguntou como eu estava. A mesma pergunta lançou à Clarissa, poucos dias depois. Ambos vieram me contar de sua suposta preocupação com minha integridade mental e emocional. A fala deles, não sei se denotava conforto ou fofoca, não sei mesmo, mas ainda assim ouvi com o estremecimento interior característico de quem recebe notícias daquele que foi o grande amor de sua vida. Antes de mais nada quero que saiba que proibi todo e qualquer ser vivente falante de me contar sobre você, sua vida, sua amante, seus trabalhos e afins. Além de não ser mais da minha conta, não existe algo mais torturante do que saber acerca de quem que não se pode mais ter. 

Por um milésimo de segundo imaginei que sua pergunta veio recheada de culpa, remorso, curiosidade ou conveniência, e fiquei com a quase absoluta certeza da última opção, posto que te conheço relativamente bem. Abraçar essa opção também não deixa de ser conveniente pra mim. É mesmo muito baixa a forma pela qual você consegue passear pela existência alheia, plantar promessas e retirar-se como se nada houvesse acontecido, como se nada houvesse significado, jogando tudo em meio ao vácuo.

Você me disse que nunca sofreu por amor e, na hora, eu fiquei me perguntando como alguém na sua idade poderia ter passado ileso pelas ciladas desse mocinho-bandido. Mas, pudera, Heitor. Você nunca amou. Pensa que ama. Você confunde bundas, bucetas e peitos com amor, e abre a boca com toda a irresponsabilidade da vida pra dizer que ama. Ama o caralho, Heitor! Você patina pelas pessoas, vive dos momentos que consegue proporcionar a elas e, consequentemente, a si. Você não sabe o que é ter água pelo pescoço, arriscar dar mais um passo, não dar pé, se afogar, morrer e ressuscitar. Você brinca no raso, às vezes desequilibra e toma um leve caldo, engole um pouco de água, tosse, levanta, nem troca o lençol e já joga outra em sua cama. Você é tão superficial quanto risca a pele das pessoas. O problema é quando você pega gente sem pele como eu. Nascida queimada em terceiro grau. Sensível e intensa de doer. Aí você risca a alma. E dor de alma só sente quem tem uma o que, definitivamente, não é o seu caso.

É bem verdade que vivi muitos bons momentos com você. Excelentes. Perfeitos. Não sobrepujam a dor que você me causou, mesmo essas duas coisas estando separadas pela mais tênue linha que possa existir nessa vida. Ou talvez porque, pra mim, sejam coisas miscíveis. O fato é que você não tatuou só meu corpo, mas também minha alma. E ao final, você também não fodeu só meu corpo; fodeu minha alma, e agora tá fodendo outra por aí. Você segue um padrão podre, Heitor. Fétido. Desprezível.

Portanto, pra que saber de mim? Pra que eu saber de você? Morremos um para o outro no dia em que você desfez nosso laço, e mortos desaparecem. Decompõem-se. Pra uns viram anjos, pra outros demônios, e pra outros nada. Não acredito em anjos e demônios, Heitor, sabes bem disso. Restou-te o nada.

Com nada,

Helena

quarta-feira, maio 02, 2018

O tempo.



Querido Heitor,

Já são quase trinta dias sem você. O tempo anda voando a jato, moço. Ou seria eu que desfilo por sobre ele de forma diferente dos outros mortais? Enquanto estávamos juntos, Heitor, os dias me soavam como réplicas da eternidade. Esses meses reverberaram dentro de mim qual décadas, afora a impressão de antigos conhecidos pela afinidade imediata e absoluta, imprimida desde aquele dia em que você me devorou com seu olhar, na escada do lugar onde tudo começou. E terminou. 

Você me disse que seria pra sempre, Heitor. Na hora me pareceu frase pronta de samba-canção da década de trinta ou de alguma bossa de Jobim. Eu sorri, e ainda te atentei para a crueza daquela promessa bem tipo Auto da Compadecida, mas teus olhos brilhavam tanto diante da minha incredulidade que ela resolveu se render e eu escolhi, então, guardar o medo no bolso e andar na corda bamba da tua palavra. Em troca, só exigi fidelidade e, justamente, a única coisa que eu te pedi, Heitor, você me negou. Eu até acredito que você tenha tido a intenção, sabe? Faz parte da natureza da paixão querer eternizar tudo. Eu que não tinha o direito de me submeter a esse tipo de roleta russa. Definitivamente, não. 

Sim, já faz quase trinta dias, e por vezes ainda me pego afogando em culpas  relativas a isso, mas é costume do tempo não voltar pra ninguém consertar porra nenhuma, e se as civilizações, em geral, conseguiram sobreviver a essa lei imutável, eu também vou conseguir. Entretanto, de uma certeza interior não me privo: eu não te perdi, Heitor. Acho que, no fundo, eu nunca te tive. Tua essência é muito etérea pra alguém te segurar. Mas você, Heitor, você me teve, e não percebeu. Você sim, meu anjo, você me perdeu.

Com mágoas do tempo,

Helena.

terça-feira, maio 01, 2018

Pronome possessivo.



Meu Heitor,

Ouso começar a carta de hoje te chamando como sempre te chamei. Várias vezes comentei o quão eu achava magnífica a força embutida em um pronome possessivo, lembra? Por isso, Heitor, começo assim, ainda que a realidade grite o contrário. 

Faz tempo que não choro, Heitor. Mais de uma semana, sem derramar uma lágrima, acho. Não sei se é a dinâmica da vida trazendo as coisas pra os seus devidos lugares ou se é meu cinismo disfarçado que adora varrer meu lixo sentimental pra debaixo do tapete da minha existência. Se a segunda opção estiver correta, sinto dizer, estou fudida. Mas, de fato, desde que optei por fingir que você já não  existe, fiquei mais forte. Ou seria menos fraca? Não sei bem. Às vezes termino o dia exausta, porque criar um defunto assim, tão de repente, sobretudo quando se respirava tanta vida, sem velório e sem caixão, demanda um gasto energético absurdo. O fato é que descobri que o nunca mais da morte é mais fácil de ser deglutido do que o nunca mais da vida. O nunca mais da morte é objetivo, definitivo e involuntário; ninguém escolhe morrer pra deixar o outro, ou pelo menos esse não era o nosso caso. Mas o nunca mais da vida vem permeado de subjetividade e rejeição, e isso dói mais do que o próprio nunca mais. Então, optei por te matar para poder seguir com o mínimo de paz até que o sentimento que ainda tenho por ti se esvaia por completo e as lembranças parem de me sufocar. Porque isso vai acontecer, Heitor, mais cedo ou mais tarde.

As evitações diárias que crio para poder te manter abaixo de sete palmos de terra, entretanto, não respeitam o sono. Eu não deveria, talvez, te dizer isso, Heitor, mas quando eu sonho com você o meu dia rui e ao mesmo tempo tua lembrança me inaugura por minuto e por completo. Paradoxo e intenso, não? Como minha vida todinha. 

Vou ficando por aqui, porque o sono já me entorpece. Imagino que esteja se perguntando se voltei  para o Rivotril que você tanto odiava, mas querido, me compreenda: por hora é necessário e contundente.


Com sono (induzido pelo Rivotril),

Helena

Mais uma carta.





Querido Heitor,

Me responda, já estamos no inverno? Perdi um pouco a noção do tempo logo após você ter me deixado. Lembro bem, nossos dias eram repletos de sol, brisa e mar, mas depois disso, em que ponto da sua órbita a Terra estaria mesmo? Mais longe ou mais perto do sol? E por falar em sol, Heitor, tenho que te dizer que os dias têm sido amenos. De saudade e de dor. De verdade. Você sabe que eu não minto com veracidade suficiente, e eu nunca te neguei essa transparência exacerbada que, ao longo da nossa convivência, confesso, me fez uma falta bastante significativa. As noites que têm sido  meio que difíceis. O silêncio tendencioso que esse turno do dia me oferece funciona como uma boia que traz à tona várias lembranças, ao mesmo tempo que esfrega na minha cara a dura e cruel realidade da tua ausência. 

Você era a minha droga, Heitor, no sentido mais literal da palavra. Um vício de ver e de sentir. Sua boca, meu oásis. Seu cheiro, meu ar. Sua voz, minha música preferida. Seu olhar, meu cais. Seu bíceps, meu travesseiro. Pernas enroscadas, respirações sincronizadas, batimentos cardíacos rítmicos. Tudo isso envolvido numa segurança que ninguém nesse mundo conseguiu me passar até hoje. Às vezes eu despertava no meio da noite como quem desperta de um sonho, e me punha a velar-lhe o sono, sem acreditar que tinha conseguido caber tão perfeitamente nas dimensões do seu abraço. Era tanta magnitude naquela nossa forma-desesperada-de-amar, que a impressão era a de que o mundo iria acabar no instante seguinte à pausa de cada expiração nossa, e por isso eu me apressava em sorver daqueles instantes o máximo do que podia. E assim o fiz.

Você, por tantas vezes, foi meu antídoto também, Heitor, não se engane. Mas, hoje, não passa de um veneno chamado saudade.

Com doses mansas de vontade de te ver,

Helena



segunda-feira, abril 30, 2018

A queda.



Heitor,


É ainda com dor que te escrevo exatos 23 dias após teres me lançado de uma das janelas do infinito andar do prédio da nossa vida. Sabe quando a gente é adolescente e fica tentando adivinhar na rodinha dos colegas como é que a gente vai morrer? De acidente... de câncer... de ataque do coração... de tiro... de queda de avião. A gente imagina tudo, se vai doer ou não, se na porta do céu vamos encontrar São Pedro ou São Sebastião, se vão chorar em cima do nosso caixão... mas a gente nunca, nunca, Heitor, imagina que vai morrer fruto de um empurrão. Até porque as pessoas têm vivido em alturas tão rasas que não aconteceria nada, além de um reles tropeção. 

Mas foi bem disso que morri, Heitor. E doeu tanto, tanto! Ainda dói. É dor que não tem nome, dor que lateja por ainda não saber serenar. Não é dor de queda livre, de impacto inevitável com o solo duro e pedregoso. É dor de empurrão de uma mão a qual nunca se pode imaginar. É dor de traição. A mão amante, que amava me apalpar e me puxar os cabelos; a mão amiga, que me ninava no abraço mais terno que pude experimentar; a mão  artista, que me riscou de tintas das quais nunca mais hei de me livrar; a mão agora gélida, a me empurrar da forma mais covarde daquele infinito andar.

Portanto não foi a altura infinita que me fez morrer. Se fosse, Heitor, eu já tinha morrido há muito tempo. Foi o empurrão do meu cúmplice maior: foi você. Foi a forma que você elegeu pra me jogar lá embaixo. Sem suporte de impacto algum, sem rede de proteção, sem cama elástica, sem piscina de bolinhas. Mas agora nem importa mais, porque o que doeu, tá doído; tá doendo. E o que doeu mais foi aquele toque no ombro que implodiu por imediato as minhas vigas interiores e em segundos eu me vi coberta de escombros, envolta numa nuvem de confusão, e você de fora, observando tudo de camarote com uma Heineken na mão e na outra um pseudotrófeu que tudo indica que será o próximo a quebrar. 

Você, Heitor, como um ser invisível, entra e sai sem o mínimo de empatia no jogo da vida das pessoas. Permanece intacto. Aparentemente, vencedor. Passeia pelos destroços, chuta ainda algumas pedrinhas, arrisca um sorriso amarelo e insosso, acena a mão. Coletes à prova de bala, pra quê? Nada te atinge, nem a minha dor, nem a indignação da platéia, nem a mágoa da concorrência. Ileso e de consciência de pluma, você vira as costas e some agarrado com o troféu à tiracolo: já não mora mais ali, és apenas um curioso expectador.

Mas, e aí: Eu cai! Eu cai! E morri. E foi assim, meio-morta, que eu me percebi viva; os cacos, os estilhaços, pasme: estavam recheados de memórias e sentimentos, e emoções, que, embora em transe, vinham à tona sem que eu pudesse as evocar, posto que nem forças para encará-las eu tinha. Mas elas vinham por si só porque esses troços costumam ter vida própria.

Foi então que eu lembrei do nosso ninho. Da nossa vidinha, que eu achava que era tão somente nossa. Que você me fez acreditar que era pra sempre... lembra? Da noite caindo rotineiramente e de você acelerando em direção ao nosso cantinho, dizendo: "Chegou a melhor hora do dia" - você dizia ao mesmo tempo que tirava a mão direita do volante e pousava-a em minha coxa esquerda enquanto eu, suspirava, sorrindo, litros de  felicidade. Aliás, nem eu sabia onde cabia tanta felicidade... Eu, então, entrelaçava meus dedos nos seus e, sorrindo, cerrávamos a porta do nosso canto e nos preparávamos para conferir o relógio que marcara diuturnamente aquele momento. Eu te olhava por horas, e nem sei quantas vezes agradeci a Deus por estarmos ali, juntinhos, colados, um só, mesmo sem precisar passar na igreja pra regularizar isso. Mesmo sem alianças, sem vestido branco, sem padrinhos vestidos de pinguins e festa pra os chatos reclamarem - o importante pra gente sempre foi o amor, o momento, o agora. Não era assim? Nada disso era necessário. Necessária era a química, o magnetismo, o encanto e um penne à carbonara depois do sexo. Únicos ingredientes realmente imprescindíveis ao nosso amor. O resto é lembrança boa que a esponja do tempo é incapaz de apagar. Que faz a gente encher a boca e dizer que valeu a pena. Ainda bem que dor nenhuma invalida momentos inesquecíveis. Ainda bem!


Com amor,  Helena.

domingo, abril 29, 2018

Sobre.






Caro Heitor,


Hoje eu estava pensando no quanto fomos o máximo um para o outro e de repente tanto tudo reduziu-se a nada. Do nada. Depois de um término, gente como eu sempre fica procurando onde foi que errou, e mesmo encontrando vários desacertos, ainda assim, não entende como aquela suposta perfeição pôde se pulverizar diante dos seus próprios olhos e você não pôde fazer nada. Absolutamente nada. 

Sei que pra você eu fui um pouco de tudo. Mãe, esposa, namorada, secretária, copeira e puta. Sim, essa fui eu, durante todo esse tempo que passamos juntos. Aliás, talvez tenha sido esse o meu erro: ser completa demais para um ser tão medíocre como você. Eu sinto demais, falo o que penso, grito com a alma, e isso talvez tenha te assustado e te feito enjoar - como você mesmo pôde conjugar este último verbo, no pretérito perfeito. Ponto. Como quem enjoa de uma comida muito doce ou uma roupa colorida demais. E eu era mais ou menos isso pra você também: uma roupa que te aquecia, dia e noite, fizesse frio ou calor, e um pudim de leite condensado com calda de caramelo e geleia de morango, que, aliás, você adorava vestir e comer, respectivamente. 

Essa era eu. Sempre me desculpando pela gota do café que eu derramava na estante, pela toalha que eu esquecia de pôr no varal pra secar, pela sua cueca que eu esquecia de lavar, pelo computador que eu esquecia de carregar.  Mas, por que mesmo tanto perdão sem culpa efetiva? Na verdade, se você pudesse sentir o quanto tudo isso que você me fez passar dói, quem iria pedir desculpas seria você. De joelhos.

Já pensei em ligar pra você e te falar atropeladamente tudo que minha mente ensaia toda vez que aquela última lembrança me magoa. Pausa para um sorriso de canto de boca: até parece que algum ensaio vai me impedir de tremer ao ouvir seu oi do outro lado da linha. Mas a verdade é que nunca digo, nunca ligo e pelo andar da carruagem nunca direi, nunca ligarei. Primeiro porque ainda me restam algumas libras de amor-próprio e dignidade em algum cantinho aqui dentro. Depois, pra não perder tempo... não era você mesmo quem me dizia que eu não deveria atirar pérolas aos porcos? 

Sempre fui mais segura com palavras escritas, por isso escrevo. Escrevo para, talvez um dia, quem sabe, te enviar. Um dia, quando nada mais fizer sentido. Escrevo pra te relembrar o que a fugacidade embutida na sua personalidade esqueceu ou foi incapaz de perceber. Coisas sobre mim, sabe? Sobre o quanto eu sou boa e do bem. Sobre como eu nunca precisei vulgarizar pra ser mulher e sobre o homem que eu sabia te fazer ser. Mas também sobre aquelas coisas tão nossas que só eu sei. Sobre as coisas que eu já sabia sem que você tenha precisado me contar, ou pedir, ou guiar. Sobre a cama colada na parede e sobre seu corpo colado no meu. Sobre as viagens, os beijos e as madrugadas de séries, sexo e risos. Sobre a sua intensidade que você não sabe sustentar. Sobre as minhas fraquezas que você não conseguiu encarar. Enfim, sobre muitas coisas, e também, sobre os homens com os quais eu poderia agora estar. Ao final das contas, nada é com você, é comigo. E sobre como eu comprei seu pacote de ilusões e sobre como eu tenho pagado, em parcelas que me parecem infinitas, o alto preço de me jogar num abismo tão raso como você.

Com lembranças ternas e ao mesmo tempo cáusticas,

Helena


sábado, abril 28, 2018

Finish.




A intensidade desses últimos meses hão de 
reverberar por dias a fio e atropelar ecos pretéritos. 
O resultado é um bem estar perene e incomparável. 
Uma plenitude inefável. Um prazer inebriante. 
Uma sensação de bem estar inexorável. 
Uma certeza do bastante instante que se torna 
eterno enquanto dura.

(Mari Teixeira)


sexta-feira, abril 27, 2018

Idos Janeiros.



                                 Os idos janeiros nunca poderão apagar beleza alguma. 
                                         Quando a gente ama, o belo nunca entardece...

                                                                      (Mari Teixeira)

quinta-feira, abril 26, 2018

Sim e não.


Entre o sim e o não existe uma infinidade de 
possibilidades capazes de surtar a mente de 
quem ousar se debruçar em catalogá-las. 
(Mari Teixeira)

quarta-feira, abril 25, 2018

Nunca.



Eu não entendo por que a gente usa tanto o nunca, 
se a gente sempre cai na insensatez de acreditar 
no sempre, mesmo quando o sempre não é pra sempre 
- e quase nunca ele o é.  

(Mari Teixeira)

terça-feira, abril 24, 2018

Mais que tudo.


Eu não sei me negar à intensidade dos momentos presentes 
pela simples possibilidade deles serem efêmeros apenas do ponto 
de vista cronológico. As marcas que eles deixam são suficientes 
para fazê- los eternizarem-se em mim... e isso vale mais que tudo. 

(Mari Teixeira)

segunda-feira, abril 23, 2018

Passion.



Ah a paixão! Esse desaforo ao qual a nossa natureza 

incompleta nos predispõe insistente e constantemente...

(Mari Teixeira)

domingo, abril 22, 2018

Frio.




"O único frio que me aquece é o frio na barriga 
que me dá quando você me acontece..."

(Mari Teixeira)

quinta-feira, abril 19, 2018

Sobre vulcões.



Somos todos vulcões em vários estágios de amadurecimento; alguns adormecidos, outros em ponto de erupção, outros já extintos. Todos, se já não explodiram, hão de explodir ainda. É natural, e disso não se foge. Podemos até tentar esconder a lava que emana de nosso interior, mas aí podemos nos queimar também... é por isso que vemos tanta dor de alma por aí... repreender a natureza traumatiza, entorpece ou enlouquece...

(Mari Teixeira)

quarta-feira, abril 18, 2018

Eu queria que fosse você.




Heitor,

Eu quis tanto que fosse você, Heitor. E por meses eu até cheguei a acreditar que sim, que era você. Eu cheguei a dobrar os joelhos no chão, erguer os olhos para o infinito e agradecer  pelo presente mais lindo que eu achava que o universo tinha me dado. Eu trazia um sorriso atenuado no rosto, morrendo de medo que alguém descobrisse que você tinha chegado e resolvesse fazer algo pra te arrancar de mim. "O que ninguém sabe, ninguém estraga"... não é assim que prega essa geração ridícula que delega à inveja alheia o sucesso das nossas conquistas? Eu te tinha nas minhas mãos, mas andava morta de medo de que, qual areia, você escorresse por entre meus dedos. Eu queria te gastar pro mundo todo ao mesmo tempo que queria te esconder como o que de mais sagrado havia em mim . Na minha cabeça eu não suportaria mais um nocaute. Então eu me agarrei na minha certeza mais exata: você.  


Mas não era você. Não é. Não foi. E não pode ser. Porque por mais que você repetisse devotadamente que me amava, já não dá mais pra se fiar nisso. Porque o amor não pode ser tão leviano e tão filho da puta assim. O amor não pode ser tão egoísta, tão mentiroso, tão cínico, tão sacana. O amor não passa nem perto de se resumir ao sexo que a gente fazia e que talvez você confunda com o tal amor que dizia sentir por mim. O amor marca muito além das marcas que você imprimiu em meu corpo, Heitor. Sim, ele marca muito além das nódoas que você impregnou no meu íntimo a cada palavra, olhar ou ato, e que insistem em não querer sair nunca mais. Não era amor, Heitor. Não foi. E acho que nunca será. Porque o amor não sabe usar e descartar. O amor é incapaz de se despersonificar pra descer a tão baixo nível. 

Mas eu queria que tivesse sido você. Muito. Demais. Só que eu não posso querer por nós dois. Nem Deus pode, nem o universo, nem ninguém pode te fazer comungar do meu querer. E hoje, também, nada disso mais importa. Sigo buscando avistar um atalho pra me livrar desse mar de me afogar no meu próprio amar, enquanto nele você boia todo safo. Todo lindo. Todo meu.

Com o amor de sempre, 

Helena

terça-feira, abril 17, 2018

Balança.


Adquira uma balança analítica com no máximo três algarismos significativos tão logo você comece a entender que nessa vida há muito o que ser pesado, mas não se esqueça: também há aquilo que dispensa medidas; só certifique-se que ao lidar com a inexatidão, você esteja pronto pra suportar o jugo, que pode chegar leve como uma pluma, ou pesado como um elefante.

(Mari Teixeira)

segunda-feira, abril 16, 2018

A vida é tão rara.




"(...) A vida é tão rara."



[Lenine]



Muito rara. Apenas vinte e quatro horas no mês a torna possível. Ironicamente, basta um segundo para ela se esvair. Um suspiro. Um piscar de olhos. Ela escapa. Pra sempre. Milhões de pessoas por dia no mundo são apresentadas a ela; uma quantidade não tão menor, se despede da mesma numa dinâmica bem proporcional . A vida não para. A vida é muito cara. A vida é tão rara.

(Mari Teixeira)

sexta-feira, abril 13, 2018

Paliativos.


Querido Heitor,

Noite passada eu saí com uma amiga. Se eu continuasse naquela cama, iria explodir o quarteirão inteiro, e eu sei, os vizinhos não têm culpa das minhas desilusões amorosas, então, achei mais justo implodir tudo aquilo em meio a um bom papo, uma  companhia agradável, um ambiente legal e algumas cervejas puro malte. Enfim, eu maquiei a cara, o ego e os sentimentos, coloquei uma máscara dourada na dor, um salto 11 nos pés, me transportei para outra dimensão e me pus a atuar da forma mais tosca e vagabunda que uma genuína pisciana poderia fazê-lo: pessimamente mal.

Entre um gole e outro, algumas risadas possíveis e sinceras, meu olhar cruza uma foto sua no arquivo do meu celular e lá vem você de novo cruzar minha mente. Um choque de saudade. Senti a risada esmaecer e uma lágrima apontar na linha d'água do meu olho pintado de preto. Para com isso, menina, volta aqui pra conversa. No bar, descobrem que eu sou cantora. Canja. Sou assaltada pelo medo de chorar no meio da música, mas é isso mesmo, artistas são assim, têm essas coisas de emoção à flor-da-pele e coisa e tal. Era tanta gente me olhando, Heitor... Tanta gente querendo ser aquele microfone que eu agarrava com tanto gosto e que estava tão perto da minha boca...  Mal sabiam eles que meus olhos fechados estavam abertos naquelas fotografias. E acho que você também não tem noção de quantos nesse mundo de meu Deus dariam tudo pra ser o cara da fotografia. Mas também não sabe quantos mundos eu daria pra voltar a ser sua além da eternidade que um simples clique pôde determinar. 

A noite correndo no tempo, o álcool correndo no sangue, e eu me tocando do quanto você é um merda que não me merece. Pronto, problema resolvido! Até eu voltar pra casa, subir as escadas com as sandálias na mão e perceber que a carruagem virou abóbora e eu esqueci meu coraçãozinho de cristal na cama do príncipe. Antes fosse um sapato, o correio resolveria. Mas nunca ouvi falar de encomenda de sentimentos então, xingo um puta que pariu e bato o portão do prédio com o pé.

Zonza, me esforço pra caralho pra acertar a fechadura no escuro do corredor, tirar a roupa, a maquiagem da cara e deitar na cama. Sinto a mente rodar, não só por causa das cervejas que bebi, mas também (e principalmente) pelas lembranças que insistem em brincar de ciranda no meio da madrugada. É essa alternância de estados que fode com a gente, Heitor. É tipo um choque térmico: você sai do banho quente e dá de cara com o vento frio, mas está sozinha, sem ninguém pra te dizer: sai desse vento, moça, sai, senão tu vai entortar a cara, vai pegar uma gripe, uma pneumonia, ou sei lá o quê. De alma torta mesmo, latejante da falta daquele boa noite nosso de cada noite, eu durmo. Vai passar. Tem que passar. Pelo menos isso.

Bêbada,

Helena





quinta-feira, abril 12, 2018

É você.



Não é saudade. É quente, corre nas veias, paralisa o olhar, 
inquieta, impulsiona. É uma coisa que bate no peito - toc 
toc toc - que desce pela espinha dorsal e se espalha por 
todo o corpo... e por fim, volta pra cabeça. Não, não pode 
ser saudade. Acho que é você.

(Mari Teixeira)

quarta-feira, abril 11, 2018

Um caos.


Prezado Heitor,

Devo começar parafraseando Maria Gadu porque, hoje, nenhuma outra frase me define tão bem: a tua ausência me causou o caos

Voltei a beber depois que você me deixou, acredita? Ando trocando o dia pela noite também. Há dias que nem o Rivotril pode com a saudade. Provei até de um cigarro esses dias - e odiei. Outro dia um amigo me disse que perdi o filtro pra determinadas coisas só porque a vizinha morreu e além de eu não ficar triste eu disse que não fiquei triste. Era uma daquelas vizinhas fofoqueiras que vivia pra dar conta da minha vida, Heitor. Fiquei pensando: será que perdi mesmo? Meu cérebro não sabe responder, ele só entende que eu perdi você. Deu medo. Imagina, você bem sabe, que eu já sou sincera, e viver em sociedade sem o mínimo de censura é suicídio moral na certa. Mas acho que não é isso, não. Acho que eu estou tão ocupada com minha tristeza, minha dor, minha perda, meu luto, que não consigo enxergar o do outro. Sei lá, estágios de dor aguda sempre me maltratam muito e é justamente aí que eu extremizo e me vandalizo. Ser 8 ou 80 dói como ter uma pedra no rim. 

Voltei à terapia também e, inevitavelmente, aos medicamentos. A bagunça que você causou em mim foi geral, mas não se culpe. Fomos ambos avisados das bombas-relógios que éramos e não demos ouvido a ninguém. A diferença é que eu explodi longe de você, enquanto você e eu explodimos dentro de mim.

No táxi, a caminho do psiquiatra, eu pensava no quanto eu não consigo te odiar mas me odeio todos os dias por essa incapacidade latente. Tenho andado sempre em linha reta, olhos firmes no horizonte, pois o medo de reviver aquela cena do restaurante me assalta a cada segundo.

Entretanto, sei que a vida continua. Eu tenho muito que fazer e concluir antes que junho aponte no calendário porque, depois disso, o mundo me espera.

Com dores lancinantes no peito,

Helena

terça-feira, abril 10, 2018

Refém.


Não quero te espantar, mas sou refém do meu fascínio por você...

(Mari Teixeira)

domingo, fevereiro 25, 2018

Dói, mas faz parte.



Existe delicadeza embutida nos interstícios de todos os contrários da vida, e é justamente isso que nos torna vulneráveis à tudo. Não somos imunes a nada. Absolutamente nada. Basta um passo em falso - ou em certo - pra definirmos os trechos da nossa vida. E cair sempre faz parte. Dói, mas faz parte.

Mari Teixeira

sábado, agosto 19, 2017

Não é.



Não. Não é porque ela frequenta festinhas e baladas e bebe tequila até o dia amanhecer que você não namora com ela. Não é porque ela usa cropped com mini-saia, porque abusa do decote e adora short curto. Não é porque ela é adepta ao batom vermelho ou porque ela já teve oito namorados e meio. Não. Não é porque ela dá no primeiro encontro ou porque faz cu doce que você não apresenta ela aos seus amigos. Não é porque ela é espiritualista e você abomina a reecarnação, ou porque os melhores amigos dela são homens. Não é porque ela é magrinha ou gordinha, porque tem a bunda pequena ou os seios grandes. Não, não é. Não é porque ela te enche de mensagens fofas, é atenciosa e dedicada ou porque te dá uma gelo antártico e um coice por dia que você não a leva pra conhecer seus pais. Não é por isso. Não é porque ela é independente, tem seu carro, sua profissão, sua grana, chega e sai quando quer, que você desistiu dela. Não é.

É porque você não a ama. Porque seus olhos não conseguem brilhar quando vêem o sorriso dela todo bobo pra você. É porque nada do que ela faz e diz, por mais lindo, romântico e bem intencionado que seja, faz o mínimo sentido pra você. É porque a voz dela não consegue fazer fibrilar nem um pouquinho esse seu coração de aço inoxidável vagabundo, e os seus beijos não passam de um passatempo esporádico que perde pro jogo do Corinthians. É porque você não consegue mensurar o valor e a grandeza dela, e muito menos conseguiria se alargar pra poder fazê-la caber em sua vidinha medíocre, pois isso é mesmo uma missão impossível pra um ser humano tão engessado que nem você. É porque prefere colecionar pessoas ao invés de momentos.

E isso não é culpa sua. Ninguém é obrigado a gostar de ninguém e tá tudo bem. Mas é obrigado a ser sincero, ou pelo menos deveria ser. Porque permitir que o outro construa um castelo em cima da areia é coisa de filho da puta, e, meu bem, ninguém merece um tipinho desse na vida. Ninguém merece engolir mentiras, desculpas, traições, fingimentos, cinismo e afins. Eu não duvido que você até que você goste da companhia dela, que sinta tesão por ela, que seu corpo responda ao calor do dela, que a cama vire um caldeirão, coisa e tal, mas você já passou dos dez anos faz tempo e sabe muito bem discernir atração física de amor. Então para de querer inflar seu ego de macho-alfa desesperado por auto-afirmação e tenha a dignidade de ser, no mínimo, sincero. Você não a ama. Bate essa porta e vai embora, mas vai ciente que a chave está do lado de dentro e que talvez o seu retorno esteja bloqueado. Pra sempre. 

terça-feira, agosto 15, 2017

Ele sabe.



Ele sabia. Ele sabe. Ele sempre soube. A vagabunda da minha transparência nunca teve competência suficiente pra se opacificar por um segundo sequer, e não deu n'outra: ele leu nos meus olhos, nos meus gestos e no meu beijo que eu já era dele. Toda dele. Só dele.

Ele sabe. Sabia. Sempre soube. Que qualquer tentativa de congelamento da minha parte podia ser desfeita pela simples e imediata presença de sua pele incandescente a centímetro da minha. Da fusão à ebulição em poucos segundos, contrariando quaisquer leis físicas ou químicas. Ou seja, mais uma vez, dele. Só dele. Muito dele. Pra sempre dele.

terça-feira, agosto 08, 2017

É o medo.


Eu não quero te esquecer. 
E temo enlouquecidamente que você me esqueça. 
Sabe o que é? 
É o velho medo - ridículo medo - 
de perder aquilo que nem tenho.

sábado, agosto 05, 2017

Sobre jogos.



Não sei jogar com os outros. Não sei e nem quero aprender. Embora a vida exija algumas estratégias de sobrevivência, existe uma crueza embutida nesse ato quando ele é direcionado ao outro que poucos conseguem enxergar.
Jogar requer frieza. Incapacidade de se colocar no lugar do outro. Uma coleção de máscaras. Um guarda-roupa de capas. Um curso intensivo em manipulação e outro de fingimento. Graduação em cinismo e pós em mentira. Pra jogar tem que saber se compartimentalizar sem se quebrar, por isso o jogador nunca é inteiro... ele não consegue porque é feito dos cacos das migalhas que ele oferece a quem se contenta com elas.
Eu não sei jogar, mas já tentei um dia e confesso, o gasto energético que eu tive pra conseguir manter esse tipo de farsa foi tão grande que eu desisti antes do pôr-do-sol. Já não vale a pena se despersonalizar, imagina pra alcançar alguém que não faz questão de ser alcançado.
Eu nao quero saber jogar. Dispenso as cartilhas que andam me emprestando, as dicas e técnicas, as teorias e certezas de efetividade. Dispenso porque consigo enxergar a vida além de "ganhar" ou "perder". Dispenso porque o ser humano é precioso demais pra ser tratado como um peão de tabuleiro, uma carta rasa de baralho ou uma bola lisa de bilhar.
(Mari Teixeira)

terça-feira, julho 25, 2017

Caos.



Minha casa é um caos. Meu computador é um caos. Minha caixa de emails também. Meu armário, nem se fala. Minha cozinha, meu caderno, minha bolsa, minha família... Meu carro, minha mente, meu coração e  minha conta bancária... Mas quando sento pra escrever, tudo se ordena sobrenaturalmente, mesmo em meio à toda essa entropia. Lindo isso. Talvez, o mais lindo que há em mim...