sábado, janeiro 31, 2009

Dor de crescer


Crescer dói. Dói demais. Demorei tanto pra me atentar à isso! Mas, o fato é que dói. Dói porque a gente estica. Dói porque a gente começa a bater a cabeça em algumas arestas da própria vida. Dói porque, à medida que se cresce, a gente tem que vir pra fora, porque aqui dentro começa a ficar pequeno. A gente começa a ter que aprender a alçar vôos, arregaçar as mangas e as calças e meter a mão na massa e os pés do chão. Dói porque a gente começa a perceber que a dor que dóia no Oriente Médio, no Vietnã ou sei lá aonde, bateu na porta do seu vizinho, e portanto está a um passo de bater na sua também. Dói porque os curtos caminhos de flores que atravessamos, já ficaram pra trás, e voltar é impossível; dói mais ainda olhar pra frente e perceber que vai doer pisar naquelas pedrinhas pontiagudas, vai doer se deparar com alguns caminhos escuros, vai doer ter que passar por alguns trechos de joelhos, e vai sair sangue, e vai doer mais ainda ver o sangue escorrendo de mim e dos outros que estiverem passando comigo.

Dói, sabe? Depois de certo tempo, passa o dia inteiro, a semana inteira, o mês inteiro doendo. A gente até se acostuma com a tal. Até que venha outra maior e devore a menor. E quando aparece uma menor que a menor, a gente compara e até faz pouco, sorri com desdém... mas é dor; melhor deixá-la quieta, pequenina do jeito que é, pequenina como julgo eu. Ora aparece uma dor lancinante, ora uma dor mais amena, ora uma dor inconsciente, ora uma dor sem limites... Dores que nos roubam a felicidade por algum tempo ou dores que não conseguem furtar-nos os bons momentos. Ainda assim, não importa. Doem.

Crescer dói. Dói porque à medida que a gente cresce nossas fragilidades começam a vazar, nossos limites começam a aparecer, nossa carne perde a capacidade de cicatrizar como outrora. Dói porque agora, quase nada começa a passar despercebido. Dói porque a partir de agora, a velocidade das coisas passa a ser exorbitante; e tudo passa pela gente, mas nem tudo a gente consegue agarrar. Dói porque, dentre essas coisas que passam, tem coisa que acaba golpeando a gente... E aí, dói de novo...!

Crescer requer cuidado, preparo. Requer aceitação, maturidade. Crescer é doloroso. Hoje, se eu bem soubesse (e pudesse), eu juro: acho que teria ficado quietinha na barriga da minha mãe...



Paz e bem!
Mari

segunda-feira, janeiro 26, 2009

Deus é fiel!


Sim. Deus é fiel. A frase anda na boca, nos pára-choques de carros e nas fachadas de lojas de um bocado de canto. Se a gente não tomar cuidado vai cair na banalidade. Se a gente não tomar cuidado, Deus vai ser tido como obejto de manipulação e barganha. Principalmente quando se associa à fidelidade de Deus, exclusivamente, à prosperidade econômica e financeira, à uma tal felicidade permanente e à ausência de problemas.

Pois eu te digo que a fidelidade de Deus independe do nosso bem estar. Deus é fiel desde toda a eternidade e isso é premissa imutável. Deus é fiel porque é fiel e pronto. Não porque eu consegui um emprego, passei no vestibular ou porque comprei um carro do ano. Ele pode até ajudar-nos na luta pela conquista de tudo isso. Mas apenas isso não define sua fidelidade. Deus é fiel também na angústia, na dor, em meio às lágrimas, no desemprego, na doença... Acontece que, nesses momentos, a gente fica tão fragilizado que não consegue perceber sua fidelidade.

A gente não pode condicionar a bondade e a misericórdia de Deus à eventos tão efêmeros. A gente não pode mensurar a bondade de Deus, porque ele é infinito e, portanto, imensurável... A gente não pode julgar quem é ou não é merecedor de Sua misericórdia, porque na verdade, mérito mesmo, ninguém tem: tudo é graça. Sabe por quê? Simplemente porque Ele é fiel!


Paz e bem!
Mari

quinta-feira, janeiro 22, 2009

Fragilidade


Frágil demais essa vida. Num dia eu me vejo perdidamente apaixonado por ela... No outro ela se revela tecido por finos tabiques de cristal, quebráveis à mínima brisa, e me confunde. Num dia ela me surpreende, me entorpece... noutro me assusta. Me assusta tanto, que eu passo a desejá-la mais e mais... Vira uma sede insaciável, uma necessidade de não desperdiçar nem uma gota de cada segundo que me é concedido. E quem acha que pode ter controle de tudo, descobre que andou equivocado. Descobre que beber, fumar, comer gordura e perder noites é uma merda pra saúde, mas que às vezes o cara nem bebe, nem fuma, nem come gordura, nem perde noites e é traído por seus próprios genes que, por incompetência (ou por sacanagem mesmo) resolvem se revoltar e pôr fim a tudo. Frágil demais esse corpo, que na verdade não passa de uma carcaça. Muito frágil... E eu preciso me acostumar com essa idéia de fragilidade, de finitude, de efemeridade, o mais rápido possível. Mas acho que, mais difícil do que se acostumar com essa fragilidade, é caminhar entre os cacos, sobretudo quando torna-se impossível recolhê-los...

Paz e bem!
Mari

domingo, janeiro 18, 2009

...

Era um rapaz desses que guardam carros em estacionamento. Maltrapilho. Uma flanela na mão. Roupas sujas, pés descalços. A gente ia entrando no carro quando ele nos abordou. Levei um susto. Ainda não aprendi a ultrapassar as aparências... Ele virou-se para o meu esposo e disse:

-"Véi, nunca esqueço de tu..."

Arregalei os olhos. Me assustei de novo. Olhamos pra ele com uma cara de "num tô entendendo nada". E ele completou, todo feliz e agradecido:

- "Tu é o cara que me deu 4 conto naquela noite que eu tava com fome... e eu comi um hambúrguer lá na rodoviária!"

Seu tom de voz denotava um sentimento de gratidão imensurável, impossível de ser descrito aqui. Aí sim a gente lembrou. Já fazia um tempo. Ele pediu 1 real pra comprar uma quentinha. Perguntamos quanto era a quentinha, e demos o valor integral. Eu nem lembrava mais do rosto dele. Nem meu esposo. Pra falar a verdade, eu nem lembrava mais do acontecido. Mas a cena de hoje vai ressoar por muito tempo. Não por causa da caridade efetuada. Mas porque hoje, depois de tanto tempo, eu voltei a acreditar que o amor pode realmente mudar o mundo...

Paz e bem!
Mari

sexta-feira, janeiro 09, 2009

Meu Deus, meu ar...


"Uma velhinha de voz trêmula e pele cheia de rugas pediu: 'Mestre, fale-nos sobre Deus...'

Mestre Benjamin fez silêncio. Olhou para o vazio. Vagarosamente, um sorriso foi-se abrindo. 'Quantas pessoas aqui na minha tenda estão pensando no ar?', ele perguntou. 'Por favor, levantem uma mão'. Ninguém levantou a mão.

'Ninguém levantou a mão... ninguém está pensando no ar. Ninguém nem sabe direito o que é o ar. E no entanto, todos nós o respiramos. O ar é a nossa vida e não precisamos pensar nele e nem dizer seu nome para que ele nos dê vida. Mas o homem que se afoga do fundo das águas só pensa no ar. Deus é assim. Não é preciso pensar nEle e pronunciar Seu nome. Ao contrário, quando se pensa nEle o tempo todo, é porque está se afogando... Quem pensa demais e fala demais sobre Deus é porque não o está respirando. A fala indica uma ausência."

Rubem Alves
(In: Perguntaram-me se acredito em Deus, p. 53 e 54)


Esse trecho de Rubem Alves me tocou muito. Percebi o quanto eu vivi afogada durante tanto tempo...