domingo, maio 20, 2018

Domingo.




Querido Heitor,

Depois de fugir de lembrar de você ao longo de toda a semana, chega o domingo e a impressão que dá é a de que todo o esforço foi vão. Eu sempre achei domingos dias tão nostálgicos, Heitor, e os últimos têm sido cortantes nesse quesito. Quando tudo terminou eu fiz o que sempre faço quando o chão foge dos meus pés e o horizonte das minhas vistas: choro. Choro muito. Choro pela falta que sobra, pelo verbo acontecer no gerúndio que não dá mais pra conjugar mas sobretudo pelo que não deu tempo de acontecer. Tenho péssima resistência à expectativas frustradas, confesso. Eu derreto e transbordo mesmo. Gasto a dor e a tristeza, faço elas escoarem pelas calhas do sofrimento. Me afundo na cama e me afogo com minhas lágrimas no travesseiro. Eu me torço pra extrair de mim o que tá machucando. Eu grito, conto pra todo mundo, me vitimizo e me vilanizo numa alternância que até assusta. Mas ao fim eu sempre me levanto, Heitor. Estou me levantando. Todo mundo tem um botão de restart que, cedo ou tarde, consegue alcançar e ligar e aí acontece o que chamam de superação, e comigo nunca foi diferente. Você não é o primeiro que me acomete um amargor tão insuportável, embora tenha sido o mais infernal de todos. Mas, espero que tenha sido o último.


A propósito, passei naquela disciplina tão difícil. Estudei tanto, Heitor, dia e noite. Desenhando as fórmulas e moléculas, me lembrei de você me ajudando a estudar a mesma coisa ano passado. Lembrei dos nossos planos de Europa, filha, apartamento e moto 300 cilindradas.  Volvi minha mente àquele dia e me vi voltando a procurar respostas que eu já tinha guardado naquele meu bolso furado de sempre para que se perdessem no tempo por acreditar que pra seguir em frente eu tinha que lidar diretamente com o fato presente, e o fato presente é que você não está mais aqui. Pior, você me deixou. Quis me deixar. Por livre e espontânea vontade, Heitor. Voltei, e me vi como que entrando no World Trade Center naquele 11 de setembro. Como alguém que acorda, sai para trabalhar, entra num prédio e de repente ele implode com você dentro dele. Mas ao mesmo tempo como alguém que sobreviveu aos destroços. Como alguém que, ainda que odeie clichês, não pode se encaixar em outro mais exato: eu domino a arte de renascer das cinzas.

É lei natural dos mundos que ciclos se fechem para que outros se abram. Você foi um ciclo que se fechou para que outros na minha vida se fechassem também, mas isso é assunto pra outra carta. Prometo enviá-la em breve. Por mais que não me leias, preciso dizer-te. Talvez seja uma forma de parir tua ausência, ainda que de pedaço em pedaço.

Gabriel Chalita fala que a dor de uma paixão passa se tivermos maturidade para conversar com o tempo. Eu acrescento: e também com o afastamento. O que os olhos não vêem o coração não sente, Heitor, mesmo que eu ainda te sinta todos os dias. Impressões digitais deixadas na alma são indeléveis, meu caro, não sei se você tem sensibilidade para entender isso. Ainda te sinto.

Com sentimento, sensibilidade e sentido,

Helena




Nenhum comentário: