sábado, maio 29, 2010

São meus.

Todo mundo tem seus porquês e seus poréns. Eu também. Justificáveis ou ridículos, ideais ou não, os tenho. Não queira arrancá-los de mim. Não ouse entendê-los nas entrelinhas do que ouve, lê ou vê. Nem sempre o que parece ser é. São meus. Poderiam ser seus também. Ou quem sabe, até são e eu não sei. Ou quem sabe, nem você sabe. O fato é que existem fatos. Existem sentimentos. Emoções. Pensamentos. Desejos. Existem histórias. Existem reflexos dela. Existem motivos. Que podem ser plausíveis ou não. Não importa. Pelo menos, ultimamente não.

segunda-feira, maio 24, 2010

Seu colo.

Como lhe faltava um colo pra chorar, ela resolveu chorar no seu próprio colo. Abaixou a cabeça e não viu mais nada; só sentia as gotas mornas pingando intermitentemente em sua própria pele, que absorvia o fluido antes mesmo que a atmosfera pudesse arrancá-las de si. O peso que ela minava era instantaneamente recaptado pela epiderme, sem que houvesse possibilidade de escolha de sua parte. Tudo voltava pra si e o ciclo não tardava em recomeçar, sem intervalo previsto. E ao final de seu "draminha barato" concluiu que foi bom desabar em si, mesmo que ela se reabsorvesse em parte. E jurou que da próxima vez vai providenciar um plástico. Cheio de florzinhas, de preferência. Só pra tentar impermeabilizar essa vida vazante.

domingo, maio 23, 2010

Porque quis.

Dia desses no paraíso...

- Adão! Ei, Adão! Adivinha o que eu tenho aqui na minha mão?
- O que é, Eva? Um ingresso para um jogo de futebol ou para uma luta de MMA?
- Ah, Adão! Não é a nada disso! Olha direito!
- Uma maçã? Você tá me tirando, Eva? Não, porque... só pode! Esse suspense todo, essa alegria toda por causa de uma maçã?
- Dãããã, Adão... seu bobo! Não é uma simples maçã! Agora há pouco, enquanto eu passeava lá pelo meio do jardim, fui interpelada por uma serpente que me ofertou esta maçã. Mas, confesso que me assustei, pois bem lembrei que Deus havia dito que não deveríamos comer do fruto daquela árvore. No entanto, ela me afirmou que se assim fizéssemos, nos tornaríamos como o próprio Deus. Eu achei a idéia até legal, e resolvi trazer pra ti também. O que acha?

Adão tomou o fruto (que dizem por aí que era uma maçã, mas sabe-se lá se era mesmo) e comeu. O final da história todo mundo sabe. Foi expulso do paraíso com Eva, sua digníssima mulher, e nós continuamos sofrendo o pão que o diabo amassou, por causa deles.

Sim, Adão comeu a maçã. Mas quem leva a culpa, até hoje, é Eva. Afinal ela persuadiu, seduziu, coagiu o pobre coitadinho do Adão que, provavelmente,não tinha o mínimo de poder de distinção do certo e do errado. Poderíamos interpretar a atitude de Adão de duas (ou mais) formas. Ele pode muito bem ter sido seduzido por Eva ou persuadido em sua fraqueza pela idéia de supremacia ao seu alcance. Mas já existia o tal livre-arbítrio naquela época e, que a gente saiba, ninguém - absolutamente ninguém - abriu a boca de Adão com um pé de cabra e enfiou-lhe a maçã goela abaixo. Portanto, uma coisa não podemos negar. Seduzido ou persuadido, ele comeu a maçã porque quis. Somente porque quis. E nada mais.

quinta-feira, maio 20, 2010

No degrau.

- Moço, você viu o passado passar por aqui?

- Hummm... pra falar a verdade, ele acabou de passar!

- Não...

E continuou. Naquele mesmo degrau. Sentada lá fora. Olhando pra dentro.

- Já experimentou esperar o futuro?

- Já tentei. Mas ele anda tão atrasado quanto o passado. Faz tempo que estou sentada aqui, nessa escada, e ele nunca chega.

- Ele chega todo dia, toda hora. Você é quem não vê!

- Não, senhor. Não pode ser! Eu enxergo muito bem. E sinto melhor ainda. Eu saberia se ele houvesse chegado. Sou muito atenciosa. E posso lhe afirmar. Eu nunca o vi chegar. E o tal passado, que o senhor afirma com todas as letras que acabou de passar, esse então...! Também nunca passou. Pode acreditar!

- Eu acredito. Afinal, o passado nunca passa e o futuro nunca chega pra quem não vive o presente...

Como antes.

Eu queria que fosse como antes. Que você fosse a primeira figura que viesse à minha mente quando eu acordasse e a última quando eu adormecesse. Que eu me enxergasse em você toda vez que o visse e que a fusão dos nossos corpos significasse a fusão de nossas almas. Que ainda existissem sonhos em comum e que, de preferência, nós fôssemos esse sonho. Que nada fora de nós importasse ou fosse visível; que aquele fogo continuasse nos queimando sem, no entanto, nos consumir. Que as coisas fossem mais facilmente reversíveis e menos desgastantes. Que a certeza de dias melhores - sempre ao lado seu - permanecesse. Que não tivéssemos nos perdido nos degraus da vida, nem tropeçado mutuamente em nossos pés errantes. Que nossas fronteiras fossem mais próximas e nossos limites menos tênues. Que fôssemos nós. De novo, nós.

terça-feira, maio 18, 2010

Desconstruindo.


A essa altura da vida muitos pensam em construir. Construir uma casa, um negócio, uma relação, uma família, um destino, uma vida. Ela não. Ela tem uma existência pra desconstruir. Tem paredes para implodir, estórias pra esquecer, memórias para apagar, sentimentos para extinguir... Tem mortos para desenterrar, corpos para exumar, fantasmas para exorcizar, bagulhos para realocar... Tem dores para sanar, feridas pra cicatrizar, cortes imensos para suturar, angústias para vomitar. Tem um tempo passeando fora dela; dentro, ausência dele. Eternidade de coisas vãs. Lá fora, um futuro avançando, e ela, quando não está retrocedendo, como se vivesse descendo uma escada rolante que sobe sem parar, fica parada e se contenta em ficar esperando o passado passar.

segunda-feira, maio 17, 2010

O amor.


Conversava com um amigo no MSN. Falávamos de nós. Adoro conversar com ele, porque possuímos uma sintonia absurda, que nem eu sei explicar, e não precisamos andar colados pra isso, pelo contrário, estamos separados por centenas de quilômetros e não nos vemos pessoalmente há 2 anos, mas nossa harmônica telepatia só aumenta. Falávamos de amor. E ele o definiu de forma tão linda, que eu não pude deixar de não me arrepiar e de não me emocionar. Não sei se é isso mesmo, se ele está certo - se é que existe o certo e o errado. Mas resolvi transcrever aqui, com a autorização dele. Resolvi transcrever, mesmo incrédula diante do sentimento mais desejado e mais perfeito do mundo.


"... é desejar de um jeito que viver com essa pessoa é tão prazeroso que não tem significado a palavra fim; é depender de uma maneira que não limita a liberdade e a confiaça; é se ver no outro; é se assustar em perceber que o outro está tão impreguinado em nós e nós no outro, que não temos olhos para mais nada ou ninguém; é não ver significado em mais ninguém que não seja essa pessoa; não sou o maior amante que vc conhece. não amei assim como descrevo. mas de tudo que já li e já presenciei, é essa magia, é uma coisa que de tão forte é eterno."


(Sandro Novaes)

sábado, maio 15, 2010

Anjo.

Ela apenas acreditava em anjos quando ele apareceu na sua vida e aí então ela deixou de acreditar em anjos e passou a ter certeza que eles existiam. Um dia ele resolveu desaparecer. E ela ficou ali, sozinha, mas continuou acreditando em anjos. Lá no fundo, ela achou bonita essa grácil capacidade de sair do palco, fechar a cortina e continuar, de alguma forma, sem se fragmentar, sem se esvair por completo, já que a tendência da ausência é o esquecimento. Ele vôou, mas deixou essência, doçura, e até certo ponto, sensatez. Lembrou-se do anjo Seth, do filme Cidade dos Anjos, e desejou que ele fosse tão intrépido quanto o mesmo. Que se jogasse do prédio, que quebrasse a cara lá embaixo se fosse o caso, que jogasse as asas fora... mas que experimentasse a delícia de ser e de sentir-se humano. Demais.

Down.


De vez em quando chego a duvidar de tudo, e me pergunto até que ponto eu fui feliz de verdade ou até que ponto eu inventei, pra mim mesma, que eu era feliz. Seja lá qual for a resposta, fica a certeza de duas coisas: se eu realmente fui, não sou mais, acabou - e faz tempo; e se eu, de fato, a inventava, acho que desaprendi.

quinta-feira, maio 13, 2010

Cheia de nada.

"Estranho é esse sentimento de se sentir cheia de tudo, e ao mesmo tempo tão vazia..."


(Desconheço a autoria)

terça-feira, maio 11, 2010

Sapos.

Já perdi a conta de quantos brejos engoli. Sim. Brejos. Inteiros. Porque além de toda a comunidade anura da região, desceu goela abaixo vegetação e água também. Agora entendo porque ando tão cheia de tudo. É muito conteúdo para o meu pobre-pequenino-estômago. Agora entendo os engasgos, o nó na garganta tão constante. Eram eles - os sapos - vivos, saltitando de alegria nessa alma insossa. É muita crueldade para uma só existência. É dor latente pra uma vida inteira. Tanta coisa entalada na garganta! Que precisa sair. Sim. Desculpem-me. Mas, agora, vai ter que sair...

domingo, maio 09, 2010

Das pedras.


Eu ainda ouço o som daquelas pedras. Ao contrário da lógica, quanto mais o tempo passa, mais o estardalhaço é maior aos meus ouvidos. Na época, o barulho me incomodava. Era tão alto que conseguia calar meu grito de socorro. Mas, mesmo ferida, eu seguia adiante. Sempre achei que essa fosse a melhor opção [embora não houvesse outra]. Sangrando e sorrindo, ao final das contas, eu sempre encontrava uma forma de tamponar os ouvidos e prosseguir. Hoje, esse som vem emergindo a todo vapor. Além de me ensurdecer ele me persegue. Ele se amplifica, preferencialmente, à noite. Onde quer que eu esteja, o escuto. E se durmo, consigo vê-lo. Se sonho, consigo tocá-lo. E se me lembro, consigo senti-lo. Eu ainda ouço o som daquelas pedras. E por mais que as mais lindas músicas do meu Ipod abrandem esse eco perpétuo, ele sempre consegue me atingir, de alguma forma. Eu ainda ouço, e dói do vibrar dos meus tímpanos até as unhas dos dedos dos pés. Dói de sabê-lo, dói de poder lê-lo. Dói tanta impotência diante dele. Dói. Dói o som das pedras como se fossem as próprias pedras em mim. E, às vezes, acho que assim eu preferia que o fosse...

domingo, maio 02, 2010

A última gota.


Era uma noite fria de primavera. Ela o embalou num papel de presente colorido pra despistar a cor fúnebre própria daquele conteúdo, e enfeitou-o com um laço grande e verde. Caminhou alguns quilômetros e o entregou em seus ouvidos. Talvez, naquele momento, não tivesse noção de que acabara de fazer; havia, simplesmente, se colocado nas mãos dele. Toda. Sem o mínimo de reservas. A última gota do que ela era, ali, gritando ao seu ouvido. O pedaço mais íntimo de si, desnudo diante daquele olhar incrédulo. Aquilo que lhe era mais exclusivo, mais seu, agora, de uma forma ou de outra, era dele também.