quarta-feira, maio 02, 2018

O tempo.



Querido Heitor,

Já são quase trinta dias sem você. O tempo anda voando a jato, moço. Ou seria eu que desfilo por sobre ele de forma diferente dos outros mortais? Enquanto estávamos juntos, Heitor, os dias me soavam como réplicas da eternidade. Esses meses reverberaram dentro de mim qual décadas, afora a impressão de antigos conhecidos pela afinidade imediata e absoluta, imprimida desde aquele dia em que você me devorou com seu olhar, na escada do lugar onde tudo começou. E terminou. 

Você me disse que seria pra sempre, Heitor. Na hora me pareceu frase pronta de samba-canção da década de trinta ou de alguma bossa de Jobim. Eu sorri, e ainda te atentei para a crueza daquela promessa bem tipo Auto da Compadecida, mas teus olhos brilhavam tanto diante da minha incredulidade que ela resolveu se render e eu escolhi, então, guardar o medo no bolso e andar na corda bamba da tua palavra. Em troca, só exigi fidelidade e, justamente, a única coisa que eu te pedi, Heitor, você me negou. Eu até acredito que você tenha tido a intenção, sabe? Faz parte da natureza da paixão querer eternizar tudo. Eu que não tinha o direito de me submeter a esse tipo de roleta russa. Definitivamente, não. 

Sim, já faz quase trinta dias, e por vezes ainda me pego afogando em culpas  relativas a isso, mas é costume do tempo não voltar pra ninguém consertar porra nenhuma, e se as civilizações, em geral, conseguiram sobreviver a essa lei imutável, eu também vou conseguir. Entretanto, de uma certeza interior não me privo: eu não te perdi, Heitor. Acho que, no fundo, eu nunca te tive. Tua essência é muito etérea pra alguém te segurar. Mas você, Heitor, você me teve, e não percebeu. Você sim, meu anjo, você me perdeu.

Com mágoas do tempo,

Helena.

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