segunda-feira, maio 07, 2018

Assumindo.



Querido Heitor,

Preciso começar a assumir determinadas coisas para mim mesma. Assumir é meio que como trazer algo à tona e torná-lo passível de despedida, desligamento. Longe de mim querer te esquecer, Heitor. Não porque tu é especial, mas porque trata-se de algo impossível, e faz um tempo que eu desisti de realizar esforços vãos. O que se vive, sobretudo da forma intensa a qual vivemos, a memória eterniza. Quão longe o futuro avance, eu sempre hei de recordar de tudo que vivemos, talvez com o embotamento peculiar que o tempo acaba por imprimir aos momentos, mas, salvo eu me torne amnésica, esquecer, é impossível. Ninguém esquece ninguém, apenas arquiva, uns em locais pouco acessíveis, outros em compartimentos mais impérvios. Eu sempre fico com a primeira opção, não por escolha própria, mas porque  o meu extremismo funciona no mecanismo da proporcionalidade: um amor intenso, uma indiferença idem.

Assumir que nosso fim me trouxe alívio além da dor, dói, porque me faz também assumir que eu mentia pra ti quando tu me perguntava se eu tava feliz. Eu te respondia que sim, e realmente tava. Feliz contigo, ainda que o teu entorno me comprimisse sem nenhuma dó. Juro que tentava chorar escondido no banheiro, sorrir o tempo todo, fazer brilharem os olhos, enquanto aguardava tuas decisões, mas minhas lágrimas e meu sorriso são tão desobedientes quanto minha alma é transparente. Havia um ninho só nosso, e nele eu era estupidamente feliz contigo. Mas o mundo não era você, Heitor, e por mais que eu quisesse que fosse e fizesse tudo pra ser, você nunca seria. 

Tu era meu número ao mesmo tempo que eu tinha que me reduzir pra caber em ti e no teu mundinho tosco de drogas, sexo e rock'roll, literalmente. Tu me completava e, bêbada de paixão, eu achava que aquilo me bastava. Eu acho que substantivo nenhum te adjetivaria tão perfeitamente quanto o que eu te dei numa noite daquelas, antes da gente dormir: tu era meu oásis. A primeira vez que eu te dei esse título não tinha um porquê além do significado de prazer e paz, próprio do local geográfico. Mas hoje entendo o sentido amplo e superior disso tudo: tu era meu oásis porque de dia, ao meu derredor, só tinha deserto mesmo. 

Resolvi fundir nossas vidas na expectativa da soma, mas eu fui esmagada pela tua realidade de uma forma a qual eu nunca te relatei na íntegra, e nunca o farei. Já não faz mais sentido falar sobre. Pelo menos até a minha cura completa, não. Às vezes eu retalhava meus incômodos, mas tua insensibilidade sempre gritou mais alto, forte prenúncio de onde e como o rio das nossas vidas iria desembocar. Em nome de um otimismo desmedido, que na verdade tratava-se de uma louca vontade de fazer as coisas darem certo, eu sempre optei por continuar. Mesmo pressentindo os piores possíveis finais eu jamais neguei minha natureza de ir até o fim. Contigo eu me sentia completa, porém angustiada. Hoje falta você mas eu sinto paz. Deve ser por isso que alguns doentes terminais preferem morrer em casa. 

E dói ter que assumir isso. Dói destruir ilusões, porque elas são o que de mais perfeito nossa condição humana pode construir. Dói, pra uma intensa de carteirinha como eu, perceber que a razão tem falado, ultimamente, e tem sido ouvida. Dói ter certeza que eu me apaixonei por um protótipo de príncipe encantado. Que, longe de príncipe, tu é um sapo daqueles brejos de quinta. Que eu amo um cara que não existe e nunca existiu. 

Mas mesmo doendo isso tudo, eu sinto paz e não a trocaria para voltar contigo, porque voltaria você e todo seu entorno, com suas margens estreitas, e afluentes, e eu me afogaria e continuaria vivendo uma morte em vida. E eu quero a vida pra viver, Heitor, não pra minguar. Eu só te queria sem tantos afluentes tão influentes. Eu te queria com menos declives. Te queria rio em cima da montanha, mas tu não é assim. Tu não é pra mim.

Entretanto, viveria tudo de novo, porque foi muito bom te ter e ser sua no curto espaço de tempo que nossa história se deu. Porque o que vivemos acabou, mas de alguma forma, tu ficou. Na memória, nos riscos, no sangue. Lembranças não perecem, Heitor. O bem que tu me fez, também não.

Com paz no coração,

Helena.

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