sexta-feira, abril 13, 2018

Paliativos.


Querido Heitor,

Noite passada eu saí com uma amiga. Se eu continuasse naquela cama, iria explodir o quarteirão inteiro, e eu sei, os vizinhos não têm culpa das minhas desilusões amorosas, então, achei mais justo implodir tudo aquilo em meio a um bom papo, uma  companhia agradável, um ambiente legal e algumas cervejas puro malte. Enfim, eu maquiei a cara, o ego e os sentimentos, coloquei uma máscara dourada na dor, um salto 11 nos pés, me transportei para outra dimensão e me pus a atuar da forma mais tosca e vagabunda que uma genuína pisciana poderia fazê-lo: pessimamente mal.

Entre um gole e outro, algumas risadas possíveis e sinceras, meu olhar cruza uma foto sua no arquivo do meu celular e lá vem você de novo cruzar minha mente. Um choque de saudade. Senti a risada esmaecer e uma lágrima apontar na linha d'água do meu olho pintado de preto. Para com isso, menina, volta aqui pra conversa. No bar, descobrem que eu sou cantora. Canja. Sou assaltada pelo medo de chorar no meio da música, mas é isso mesmo, artistas são assim, têm essas coisas de emoção à flor-da-pele e coisa e tal. Era tanta gente me olhando, Heitor... Tanta gente querendo ser aquele microfone que eu agarrava com tanto gosto e que estava tão perto da minha boca...  Mal sabiam eles que meus olhos fechados estavam abertos naquelas fotografias. E acho que você também não tem noção de quantos nesse mundo de meu Deus dariam tudo pra ser o cara da fotografia. Mas também não sabe quantos mundos eu daria pra voltar a ser sua além da eternidade que um simples clique pôde determinar. 

A noite correndo no tempo, o álcool correndo no sangue, e eu me tocando do quanto você é um merda que não me merece. Pronto, problema resolvido! Até eu voltar pra casa, subir as escadas com as sandálias na mão e perceber que a carruagem virou abóbora e eu esqueci meu coraçãozinho de cristal na cama do príncipe. Antes fosse um sapato, o correio resolveria. Mas nunca ouvi falar de encomenda de sentimentos então, xingo um puta que pariu e bato o portão do prédio com o pé.

Zonza, me esforço pra caralho pra acertar a fechadura no escuro do corredor, tirar a roupa, a maquiagem da cara e deitar na cama. Sinto a mente rodar, não só por causa das cervejas que bebi, mas também (e principalmente) pelas lembranças que insistem em brincar de ciranda no meio da madrugada. É essa alternância de estados que fode com a gente, Heitor. É tipo um choque térmico: você sai do banho quente e dá de cara com o vento frio, mas está sozinha, sem ninguém pra te dizer: sai desse vento, moça, sai, senão tu vai entortar a cara, vai pegar uma gripe, uma pneumonia, ou sei lá o quê. De alma torta mesmo, latejante da falta daquele boa noite nosso de cada noite, eu durmo. Vai passar. Tem que passar. Pelo menos isso.

Bêbada,

Helena





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