domingo, abril 29, 2018

Sobre.






Caro Heitor,


Hoje eu estava pensando no quanto fomos o máximo um para o outro e de repente tanto tudo reduziu-se a nada. Do nada. Depois de um término, gente como eu sempre fica procurando onde foi que errou, e mesmo encontrando vários desacertos, ainda assim, não entende como aquela suposta perfeição pôde se pulverizar diante dos seus próprios olhos e você não pôde fazer nada. Absolutamente nada. 

Sei que pra você eu fui um pouco de tudo. Mãe, esposa, namorada, secretária, copeira e puta. Sim, essa fui eu, durante todo esse tempo que passamos juntos. Aliás, talvez tenha sido esse o meu erro: ser completa demais para um ser tão medíocre como você. Eu sinto demais, falo o que penso, grito com a alma, e isso talvez tenha te assustado e te feito enjoar - como você mesmo pôde conjugar este último verbo, no pretérito perfeito. Ponto. Como quem enjoa de uma comida muito doce ou uma roupa colorida demais. E eu era mais ou menos isso pra você também: uma roupa que te aquecia, dia e noite, fizesse frio ou calor, e um pudim de leite condensado com calda de caramelo e geleia de morango, que, aliás, você adorava vestir e comer, respectivamente. 

Essa era eu. Sempre me desculpando pela gota do café que eu derramava na estante, pela toalha que eu esquecia de pôr no varal pra secar, pela sua cueca que eu esquecia de lavar, pelo computador que eu esquecia de carregar.  Mas, por que mesmo tanto perdão sem culpa efetiva? Na verdade, se você pudesse sentir o quanto tudo isso que você me fez passar dói, quem iria pedir desculpas seria você. De joelhos.

Já pensei em ligar pra você e te falar atropeladamente tudo que minha mente ensaia toda vez que aquela última lembrança me magoa. Pausa para um sorriso de canto de boca: até parece que algum ensaio vai me impedir de tremer ao ouvir seu oi do outro lado da linha. Mas a verdade é que nunca digo, nunca ligo e pelo andar da carruagem nunca direi, nunca ligarei. Primeiro porque ainda me restam algumas libras de amor-próprio e dignidade em algum cantinho aqui dentro. Depois, pra não perder tempo... não era você mesmo quem me dizia que eu não deveria atirar pérolas aos porcos? 

Sempre fui mais segura com palavras escritas, por isso escrevo. Escrevo para, talvez um dia, quem sabe, te enviar. Um dia, quando nada mais fizer sentido. Escrevo pra te relembrar o que a fugacidade embutida na sua personalidade esqueceu ou foi incapaz de perceber. Coisas sobre mim, sabe? Sobre o quanto eu sou boa e do bem. Sobre como eu nunca precisei vulgarizar pra ser mulher e sobre o homem que eu sabia te fazer ser. Mas também sobre aquelas coisas tão nossas que só eu sei. Sobre as coisas que eu já sabia sem que você tenha precisado me contar, ou pedir, ou guiar. Sobre a cama colada na parede e sobre seu corpo colado no meu. Sobre as viagens, os beijos e as madrugadas de séries, sexo e risos. Sobre a sua intensidade que você não sabe sustentar. Sobre as minhas fraquezas que você não conseguiu encarar. Enfim, sobre muitas coisas, e também, sobre os homens com os quais eu poderia agora estar. Ao final das contas, nada é com você, é comigo. E sobre como eu comprei seu pacote de ilusões e sobre como eu tenho pagado, em parcelas que me parecem infinitas, o alto preço de me jogar num abismo tão raso como você.

Com lembranças ternas e ao mesmo tempo cáusticas,

Helena


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