quarta-feira, novembro 26, 2008

Ostra feliz não faz pérola

Há umas 2 semanas estive em uma livraria recém-inaugurada aqui na minha cidade e me deparei com um livro de Rubem Alves que há muito tinha ouvido falar, mas nunca tinha tido oportunidade de comprá-lo. Chama-se "Ostra feliz não faz pérola". Não hesitei em estourar o limite do cartão de crédito e levá-lo pra casa. Eu o elegi meu livro de cabeceira e, todos os dias antes de dormir, leio algumas páginas. De pouquinho em pouquinho, já estou quase na metade do livro.


O livro superou minhas expectativas. Pensei que nessa obra Rubem falaria sobre o sofrimento em si, em todas as suas formas e nuances, fragmentando o tema central em cápítulos específicos e sequenciais. Mas, para a minha surpresa, me deparei com um livro cheio de mini-crônicas, ora engraçadas, ora reflexivas... cada uma transbordante de singularidade e sabedoria inigualáveis.


"A ostra, para fazer uma pérola, precisa ter dentro de si um grão de areia que a faça sofrer. Sofrendo, a ostra diz para si mesma: 'preciso envolver essa areia pontuda que me machuca com uma esfera lisa que lhe tire as pontas...' Ostras felizes não fazem pérolas... Pessoas felizes não sentem a necessidade de criar. O ato criador, seja na ciência ou na arte, surge sempre de uma dor. Não é preciso que seja uma dor doída... Por vezes a dor aparece como aquela coceira que tem o nome de curiosidade. Este livro está cheio de areias pontudas que me machucara. Pra me livrar da dor, escrevi."

Rubem Alves
(em seu discurso de apresentação do livro "Ostra feliz não faz pérola")


O princípio dos meus escritos é o mesmo: escrevo para aliviar a dor ou para abrandar o desejo de desvendar certos comportamentos e atos que, em seu prefácio, Rubem Alves chama de curiosidade. Escrevo na esperança de metamorfizar minhas dores em beleza, porque assim torna-se menos duro levar a vida. E quando não é possível essa conversão do doído no belo, eu me contento em apenas esvaziar-se de mim mesma...

Quem já teve a sensibilidade de ler o texto de abertura do meu blog percebeu que, antes mesmo que eu pudesse confirmar essa verdade, eu já a havia enxergado a partir de Clarice:

"Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando..."

Se eu pudesse materializar meus vocábulos, transforma-los-ia em pérolas, cada uma, fruto de uma lágrima rolada, de um tropeço aqui ou da cara quebrada ali adiante, fruto da roupa encharcada após uma tempestade ou do cabelo bagunçado pós-ventania. Se eu pudesse materializar cada sinal de pontuação, converteria as vírgulas em pequenas silêncios, as exclamações em decepções, as interrogações em momentos de dúvida e confusão, e os pontos finais em longos momentos de espera intermitentes.

No dia em que a humanidade sucumbir à verdade exposta por Rubem Alves no prefácio do seu livro, as dores e os incômodos passarão de dores e incômodos à pérolas... Pra gente, a pérola sintetizada pela ostra pode até ser sinônimo apenas de beleza. Mas para a ostra, tenho certeza, a pérola é muito mais do que isso: é objeto de resolução e crescimento pessoal.

Paz e bem!
Mary

8 comentários:

Carolina Braga disse...

'Mas para a ostra, tenho certeza, a pérola é muito mais do que isso: é objeto de resolução e crescimento pessoal.'
Humana demaissss! Já disse que o seu nick é mais que apropriado?

Beijos de boa noite! =)

LUCIANO MEDRADO disse...

Olá Mare mais um texto bem produzido e refletido para ser reflexionado. A ostra produz a pérola a partir de um corpo estranho que se aloja em seu interior. Mas grande lição ela nos apresenta. Ela utiliza daquilo que a machuca e que lhe é estranho para fazer a matéria prima da beleza que pode produzir. A ostra nos ensina que o "inimigo" que entra e entra por tantos motivos só pode fazer o seu estrago em nós se assim nós permirtirmos. Mas quando temos a maturidade suficiente de olharmos cara a cara para o nosso inimigo e não se esquivar dele, temos a compreesão, de fazer dele uma pérola. É saber tomar as realidades aparentemente desastrosas nas mãos e saber transformar. Quanta coisa trazemos dentro da nossa "casca" endurecida como a da ostra e não sabemos transformar para nos tornarmos mais melhores seres humanos para si e para os outros?. A certeza que fica é que temos uma pérola a ofertar!
www.lucianomedrado.blogspot.com

Igor Mascarenhas disse...

Já encontrei o próximo livro que comprarei...

Com os seus comentários, dispensa eu comentar mais sobre ele.

Mas enquanto a sua reflexão, me deparo com uma frase de Clarice que diz mais ou menos assim: "...No fundo escrevo para me desabrochar."

Mas fico impressionado no sentimento exposto em suas palavras, a dor filtrada pela maturidade e metafosiada como disse é a mais bela arte.

Recomendo um vídeo de Adélia Prado que postei esses dias em meu blog no programa Sempre um papo. Basta digitar Adélia Prado no site do sempreumpapo.

Suas palavras sempre me fazem bem, obrigado de coração.

Tamu junto
www.igormascarenhas.blogspot.com

Igor Mascarenhas disse...

O enter sai antes da revisão do comentário, perdoe-me pelos erros.

Faz parte, :/

tamu junto

Unknown disse...

Só pelos seus comentários percebo que este livro deve ser bastante inspirador e permiti muitas reflexões.
Fiquei tão encantada com seu texto... que sinceramente nem sei o que escrever (rsrs). Então...apenas deixo o meu muito obrigada pelas belas palavras que sempre tocam meu coração. Beijosss

Suelem de Oliveira Bento disse...

Mary...Belo post, belas palavras...É incrível este seu dom de "brincar" com elas. Você sabe, gosto muito dos seus escritos, reflexões, desabafos. Aprendo muito com você!
E Mary...Linda sua colocação, bem como a do grande Rubem Alves. E ainda tem uma outra Pérola. Aquela que está em Mateus: " O reino dos céus é semelhante a um negociante que procura perolas preciosas, encontrando uma de grande valor, vai vende tudo o que possui e a compra". A pérola é Deus vivendo em nós...A pérola falada na Bíblia é a pérola rara da Felicidade,que está dentro de cada coração. No mundo nos deparamos com muitas pérolas, mas muitos pérolas são falsas( amizades não verdadeiras, dinheiro qd mal usado, drogas, alcool...).Muitos estão muito preocupados com os outros, coma vida do outro, os defeitos e a qualidade do outro que esqueci de olhar para dentro de si e reconhecer a grande pérola que traz consigo.
Amiga...Você já descobriu a sua pérola neh!? Abra seu coração!
Ótima e abençoada semana!
Beijão!
Su...

Lu disse...

Já estou com vontade de ler esse livro...rsrs

João Florencio Damasceno Neto disse...

interessante a forma que a propria natureza se encarrega de resolver as situações...e intressante tbm q o grão de area,ou outro invasor,se transforma em perola depois de 3 anos aproximadamente.imagina a convivência nesse processo...p depois essa transformação espetacular.seria bom que esse exemplo pudesse ser dado onde existisse Relações Humanas!

Parabéns Mare!

bjos