quinta-feira, março 11, 2010

A fuga.

Sim. Embora seu coração pulsasse a quantidade de vezes por minuto necessária para manter suas funções vitais, seus batimentos era inaudíveis. E só ela sabia disso. Ninguém havia encostado o ouvido em seu peito pra tentar senti-lo. Ninguém. Os poucos que haviam se debruçado sobre sua estória também haviam desistido dela. E ela estava a um passo de desistir de si. Depois de continuar vagando ao ermo, sem direção e com os ombros tão pesados de ausência de vida que chegavam a doer de verdade, sentiu que precisava parar, seu corpo pedia repouso. Então tentou adormecer embaixo de uma árvore, mas não conseguia. Era incessantemente atraída pela imagem que se projetava à sua frente. Um banquinho de madeira embutido em uma parede de reboco. Ela o olhava fixamente, de tal forma, que nem movia a pálpebra superior. Os olhos ressecados, faziam analogia à sua vida, aos seus sonhos. Lembrou-se então de um tal banquinho que havia diante de uma tal casa, ambos nunca avistados. Nem o banquinho, nem a casa. Foram voltas e voltas no mesmo quarteirão, sob o sol escaldante de meio-dia, sem sucesso imediato. O dia nunca foi seu aliado. A chuva caía lá fora, e ela fechou os olhos pra enxergar melhor a cena que se construía diante de si. Os olhos secos logo marejaram, e por mais que isso denotasse tristeza, mais lhe aliviava do que lhe afligia. Foi então que ouviu uma voz:

- A moça agora chora?

Assustada, ela se vira e reconhece o rapaz.

- Você de novo?

- Confesso que rodei quilômetros, mas não conseguia esquecer a moça indecifrável que entrou no meu carro e que, apesar de permanecer por apenas alguns minutos na minha presença, me fez ter vontade de retornar.

Adélia - esse era o nome dela, embora ele ainda não soubesse - olhava o moço com ar de espanto, enquanto ele prosseguia.

- Quem é você?

Como um animal acuado, ela nada respondia. Essa, sem sombra de dúvidas, era a pergunta que mais havia feito a si mesma nos últimos anos.

- Não lhe entendo, embora esteja fazendo um esforço enorme pra isso. Mas a leitura que faço de suas expressões e de seu olhar, é de que anda fugindo de alguma coisa, ao mesmo tempo que procura por outra. Estou certo?

Ela continuava mantendo o silêncio. Ele se tornava ensurdecedor a ambos, até que não pôde negar mais. A presença daquele desconhecido ali lhe fizera sentir algo que já havia esquecido que existia: uma segurança incomum; e durante algum tempo lutou contra essa certeza que lhe inundava e ao mesmo tempo lhe afagava. racionalizar sempre foi seu esporte preferido. Imediatamente, ao som doce daquela voz grave e rouca, Adélia sentiu as pálpebras pesarem, e inclinando-se em seu ombro fez menção de adormecer. Ele acolheu-a e, minutos depois, ainda um pouco sonolenta e sem abrir os olhos nem tirar a cabeça do corpo dele, balbuciou:

- Ah... antes que eu me esqueça... sim... eu ando fugindo da mesma coisa a qual busco incessantemente...
E após uma longa pausa, seguida de uma respiração profunda, concluiu reticentemente sem ousar se livrar do aconchego que lhe era oferecido:
- Fujo de mim mesma ao mesmo tempo que me caço, sem cessar...

8 comentários:

EFiciente! disse...

Diga senhorita Bióloga e quase Farmacêutica. Preciso de explicações sobre estes posts. Não sei se o período com o qual estou passando está me tirando a concentração ou me tirando o tempo de poder estar acompanhando seus pensamentos, mas a verdade é que "viagei" legal. Ou talvez - acabou de me ocorrer- aproveitei o titulo deste post para apenas FUGIR!
"FUGA, ato de escapar a algo". De fato minha amiga tenho escapado, fugido, evitado encarrar certas decisões em minha vida, que, nem a força das palavras tem me colocado no eixo compreensivo dessa realidade. Ufa! Tava precisando disso: Falar, falar, falar... Só você pra fazer retornar viu. Desculpe se o cometário feito não teve o feedback esperado, mas saiba que mais uma vez você e seu blog me ajudaram. É esta a função dele não é mesmo?! Enquanto você se ajuda aliviando seus pensamentos, nos ajuda aliviando os nossos. Bjão!

Verônica Barbosa disse...

Gostei muito do conto, vc poderia com todo certeza , publicar um livro...pois esta arte de escrever é muito nitida em ti. Parabéns.

Nara. disse...

meu Deus Mariii ... um dos melhores!

Lari disse...

"Quem é você?
Como um animal acuado, ela nada respondia. Essa, sem sombra de dúvidas, era a pergunta que mais havia feito a si mesma nos últimos anos."

Quem nunca se fez essa pergunta, ei a pessoa que mais queremos conhecer: nós mesmos.

Ramon Luduvico disse...

"Quem é você?
Como um animal acuado, ela nada respondia. Essa, sem sombra de dúvidas, era a pergunta que mais havia feito a si mesma nos últimos anos."

Quem nunca se fez essa pergunta, ei a pessoa que mais queremos conhecer: nós mesmos.²

Lari, disse certo...E esse "conhecer" começa pelo outro...O outro que nós faz questionar, quem somos? O que queremos? Mas, antes de tudo temos q lembra q somos gente, e gente têm medo...

Unknown disse...

Enfim, conseguir entrar nesse secreto e íntimo mundo "Humano Demais". Depois de longas e duras tentativas, eis-me aqui! De cara fui impactado com esse seu posts, um pequeno trecho de um lindo livro de romance que o mesmo poderia se tornar. O conhecer a si é uma ótima proposta para resgatar o que há de mais humano em nosso Ser.
O homem tem perdido a essência humana, pois tem se perdido ao longo de sua caminha terrestre. Temos procurado tantas coisas, mas, diferentemente da personagem do texto, poucos são aqueles que tem de fato buscado encontrar-se consigo mesmo. Na realidade, o homem tem mais fugido de si do que tentado encontrar-se.
Como também sou humano demais, compreendo que o encontrar-se consigo mesmo pode ocorrer na medida em que nos percamos em favor de algo significativo, essencial, fundamental, ou coisa parecida, muito embora estejamos distantes disso, pois o que visualizamos no cotidiano é que as perdas tem ocorrido muitas vezes em favor daquilo que é efêmero, inconstante, volúvel e impalvável.

Parabéns, amiga! Lindo demais!
Quero o livro agora, viu?!

Beijos!!

*Lu* disse...

Maravilhoso, amiga! Estou encantada. Essa última frase foi fantástica. Parabéns!

Ione Rocha disse...

Artista!