quarta-feira, outubro 03, 2007

Relações

"Quer atentar contra uma relação? Não perca a piada. Prefira perder o amigo. Demonstre apatia. Seja indiferente ao outro. Procure ao máximo não compreendê-lo. Analise os pormenores de fora... assim, é bem mais fácil tecer opiniões e soluções. Não se permita envolver-se. Não mande flores. Nem escreva bilhetinhos. Esqueça as palavras carinhosas, os elogios, e também esqueça o dia do aniversário. Ou melhor, até lembre, mas ao invés de ligar, enviar um email, ou ir lá pessoalmente, deixe pra lá. Priorize suas idéias e seus anseios. Deixe-o falando sozinho. Ria sadicamente do que ele diz, sobretudo daquilo que você considera improvável, impossível, ilusório, irracional. Ignore suas fraquezas e dificuldades. Deixe para amá-lo e compreendê-lo quando você achar que ele merece ser amado e compreendido. Quando achar que não deve nem ser amado nem compreendido, simplesmente bata a porta e saia. Use as palavras mais supérfluas em momentos igualmente inoportunos. É tiro e queda! Cultive as suas certezas e procure plantá-las no coração dele, já que apenas as suas são válidas. E o que fazer com as incertezas dele? Descarte-as. Afinal, são tão incertas que nem vale a pena dar ouvidos. Seja indolente aos seus anseios, confusões, angústias e dores. Ou, ao contrário, cale-se diante de sua estupidez, poupando-lhe o puxão-de-orelha necessário. Não leve nada, nada a sério mesmo. Nem a história de vida dele. Quando ele chorar, entregue-lhe um lenço de papel e complete o ato com a célebre frase: “pare de chorar, a vida é assim mesmo”, ou então: "se todos os problemas do mundo fossem fáceis de resolver como o seu..." Repita para ele que crise existencial é coisa de gente demente, e carência é o nome que inventaram para dar às pessoas irremediavelmente chatas e grudentas. Preocupe-se mais em resolver os problemas dele do que em ouvi-lo. Use uma capa para se esconder. Estabeleça metas: primeiro você, segundo você, terceiro você, e quarto, você também, claro! Não dê atenção para suas inquietações, sejam elas particulares ou se dizem respeito a ambos. Destrua os suas aspirações e fantasias, sutilmente. Use a intimidade conquistada para magoar, soltando o que vier à mente, afinal, vocês já se conhecem há tanto tempo! Confunda sinceridade com comentários desnecessários. Desista de confiar e deixe a sua confiança se perder. E jamais, em hipótese alguma, se coloque no lugar dele. Ironize suas escolhas e decisões, seus princípios e sonhos. Exclua-o de seus projetos. Segregue seus objetos e pertences. Priorize os defeitos mais do que as qualidades. Aproveite um momento de vulnerabilidade para proferir “a sua verdade”. Não peça perdão. Não aceite as suas diferenças. Sustente dentro de si a certeza de que você se basta. Alegue aquela carona para a praia do último verão. Desligue o seu senso do ridículo. Alimente muita expectativa acerca dele e depois diga que se decepcionou. Rejeite suas imperfeições, mas não queira enxergar que assim você o faz pelo simples fato de, lá no fundo, vocês serem muito semelhantes. Ironize sempre que houver oportunidade. Esteja sempre apressado. Exclua a palavra “consideração” do seu vocabulário particular. Mas, depois disso tudo, não se pergunte porque você não tem amigos. Nem ninguém."


Com carinho, Mary.
"Seria tão bom se pudéssemos nos relacionar sem que nenhum dos dois esperasse absolutamente nada, mas infelizmente nós, a gente, as pessoas, têm, temos - emoções."
(Caio Fernando Abreu)

Um comentário:

Unknown disse...

Amiga, que blog lindo!!!!!!!!!!
E aínda me ajudou a subi o degrau que faltava para eu voltar ao estado de felicidade.
Você tem que escrever um livro, linda. Têm o dom das palavras, de falar os sentimentos, de expôr a alma.