quarta-feira, julho 04, 2007

Porque viver é mutar...



Eu fui criada para a estabilidade, para a constância. Para apreciar a inércia das coisas e dos fatos. Para me assustar com tudo o que fosse discrepante quando comparado ao "padrão de normalidade" que construiram e me fizeram acreditar. Eu me assustei quando tive que sair do berço para a cama, e o pior, ter que dormir em um quarto sozinha. Eu me assustei quando tive que ir pro colégio, e mais ainda quando entrei na adolescência e vi meu corpo mudar. Relutei em abandonar a minha boneca Barbie e seus apetrechos. Trocar de colégio foi um choque, conhecer pessoas novas, lidar com a hipótese de não ser aceita. A cada ciclo que tinha que se fechar eu sofria demais. Se essas coisas previsíveis da vida me chocavam, imaginem o que estava por vir.

Um dia me ensinaram que apesar do mundo girar, ele deixa tudo no mesmo lugar, e que a gente é responsável por qualquer mudança que aconteça em nossas vidas. Eu fui criada pra obedecer padrões, regras, modelos. Achava que a instabilidade diante desses padrões, regras e modelos significava insanidade. E atribuía à mim mesma a responsabilidade de manter total controle sobre minha vida. Arriscar era um a palavra exclusa do meu vocabulário, já que ela presume que algo possa vir a acontecer ou não. E eu pensava que se fosse pra romper o "equilíbrio" da minha vidinha, melhor nem utilizá-la.

Mas chega um dia que você sai da casa da mamãe, da redoma de vidro que te envolve, e vê que o mundo lá fora não é tão colorido quanto aquele que você pintava no jardim de infância, e que as pessoas não são tão boazinhas como seus pais e avós. Você olha ao redor e percebe que as coisas se transformam numa velocidade tão exorbitante que a gente nem se dá conta: quando vê, tudo aconteceu!!! Contudo, não só as coisas mudam. As pessoas mudam, as circustâncias a que nos submetemos mudam. Os sentimentos mudam. Nossos gostos mudam, enfim, o mundo gira. E embora ele não saia do lugar, a gente acaba sendo obrigada a sair.

Putz! Não vou mentir o quanto eu sofri pra me adaptar à essa realidade de "mutação". Aceitar que eu podia oscilar... pior, que eu era um ser potencialmente mutante... doeu demais! Aceitar que a minha emoção sofria variações, que meu Q.I. também variava. Eu sustentei durante muito tempo dentro de mim um paradigma de insolubilidade e imutabiliade, e perceber que de repente as coisas podiam deixar de ser como a gente achou que ia ser a vida toda é complicado. Parece que o mundo vai cair na sua cabeça, o chão sair dos pés. Pela primeira vez eu me senti obrigada a olhar para dentro de mim, e descobri que eu não me conhecia. Eu acreditei a vida toda na figura tecida da minha pessoa por outrém [a melhor aluna, melhor filha, melhor no volei, no futebol, no jogo de damas...], e nunca tive a curiosidade de entrar um pouco, e confirmar se eu era aquilo mesmo que diziam de mim. Apenas lutava para sustentar aqueles títulos. Quando me percebi "mutar", minha reação imediata foi arrumar alguém para colocar a culpa por "ter permitido" que a minha vida "perdesse o rumo". Como não existiam culpados, restou-me construir um vilão dentro em mim, um processo de culpa que tirou definitivamente minha paz. Era uma luta interna muito grande. Meu coração tornou-se um imenso tribunal, onde ele [o processo de culpa] era o juiz, e a defesa e a promotoria eram eu mesma.

Aos poucos eu fui percebendo que não era bem assim, e, não que as coisas não devam ser levadas a sério, mas que eu estava dando proporções imensas à algo tão corriqueiro, tão humano. Humano... pois é! Só 24 anos depois vim me dar conta dessa realidade. Da essência que sou feita. Decidi então percorrer meu interior. Me vi limitada, cheia de problemas pra resolver comigo mesma. Cheia de medo de experimentar o novo. Cheia de bagulhos acumulados, sujeira... e vi uma caixa cheia de objetos e papéis velhos, amarelados e comidos por traças e animais afins. Escrito e estampado naqueles papéis e objetos vi todas as oportunidades de crescimento da minha vida... inaproveitadas. Decidi permitir-me "mutar". E desde então não está sendo fácil. Mutar implica em deixar pra trás hábitos, às vezes coisas e pessoas... ter atitudes novas. E isso me amedronta [ainda]. Mutar requer jogar coisas velhas fora, abraçar coisas novas, e aí vem à tona o apego. Mutar dá trabalho, tira o sono; mutar implica crescer, e é muito mais fácil viver dependente dos outros a vida toda.

Quando conclui isso, decidi mudar algumas coisas em mim. Mas, mudar pra ser melhor. Decidi deixar de ser imediatista, pois percebi que as coisas não acontecem da hora que eu quero, da forma que eu quero. Decidi deixar de ser extremista... percebi que entre 8 e 80 existem 72 possibilidades... e que cada um as usa de acordo com seu limite. Resolvi me permitir mudar a forma de pensar e de ver algumas coisas, mas, claro, apenas aquelas que não contrariam meus princípios de fé e moral. Decidi exonerar a palavra "nunca" do meu vocabulário, partindo do pressuposto de que nunca poderei prever o futuro, e decepcionar-se consigo mesmo é terrível! Decidi resignar-me diante das minhas dores, pois aprendi que que é no (e pelo) sofrimento que se amadurece e se fortalece, e assim a vida ganha novas nuances, porque a imutabilidade sufoca e reforça a rotina. E se o Mestre sofreu o que sofreu, quem sou eu para não querer sofrer...


Muito mais do que permitir-se mudar, é necessário adaptar-se às mudanças. O mundo lá fora é uma selva. A luta pela sobrevivência e pela sobrepujação é acirrada. E ao contrário do que prega a indústria da beleza e dos armamentos, o mais forte não é o mais bonito, nem os portadores de armas de fogo. Mas, sim, aqueles saudáveis de mente e alma. Forte é quem sabe lidar consigo mesmo, com suas oscilações e vulnerabilidades. Forte é quem sabe "mutar" quando é necessário, sem ter quer ferir ninguém, nem a sim mesmo. Forte é quem sabe entender a dor e a fraqueza do outro, mesmo sem compreender, pelo simples fato de saber que, um dia, você pode passar por aquilo. Forte é quem tem coragem de arriscar, de acreditar que pode, que a felicidade existe e está a um palmo do nosso alcance. Forte é o cara que não se deixa transformar em árvore, parada, estática, seres que nem quando morrem conseguem mudar seu arranjo. Forte é o cara que consegue atravessar a selva, se moldando às trilhas, às dificuldades de percusso, da convivência com os outros animais, sem perder a personalidade, nem perder a essência. O DNA, quando sofre mutação, acaba perdendo a capacidade de sintetizar as proteínas específicas de outrora, mas continua sendo DNA. Um outro DNA, que sintetiza outras proteínas. Mas, ainda assim, é DNA. Assim acontece na vida... às vezes, mutar é preciso!
  • Com carinho, Mary.

4 comentários:

Unknown disse...

Oi, amiga!É uma responsabilidade imensa ser a primeira a postar após a leitura desse belíssimo texto, mas para além dos elogios sobre seu talento compartilho do contexto que você descreve e ratifico que "mutar é preciso" sim. Até mesmo na condição da árvore "parada", "estática", como vc cita, existe a possíbilidade de percebermos sua beleza frondosa...o quanto de sombra pode oferecer e o quanto pode proteger e refugiar com os seus fortes galhos, isso sem deixar passar a condição de usufruirmos seus frutos. Para mim, esta mesma árvore perde a dimensão exclusiva de ser "parada" e "estática" pq pode se relacionar com quem a procura, oferecendo-lhe algo.Entretanto, não deixa de ser árvore, é apenas mais uma possibilidade dentre as 72 que vc mencionou. Eis nosso grande desafio: sabedoria e discernimento para enxergarmos essas possibilidades diversars sem nos perdermos, sem enlouquecermos.Afinal, ter apenas duas opções (8 ou 80) é bem mais fácil.Ainda assim pensamos muito para tomar uma decisão. Imagine aí percebermos que podem existir 72 possibilidades?Este "mutante" processo da vida, acredito eu, nos ensina a lidar com essas possibilidades de uma maneira mais amadurecida. O que antes era aparentemente absurdo para você, hoje pode fazer parte do dito padrão de "normalidade", sem assustar. Mesmo que não aceite ou concorde, você já entende que é possível. A questão agora é: como isto implica na minha vida?Já entendo que é possível e me sinto mais forte diante disso, mas e agora?Qual a minha postura diante de mim mesma? Estranho?? Não. Sua percepção é outra sim e já deve existir implicação externa (vc sobre alguma situação, alguma coisa ou até mesmo sobre alguém). Mas, essencialmente, como isso implica??O que é "mutante"? Vc sobre vc mesma, para mim, é a parte mais difícil exatamente porque assumimos o papel que vc mesma atribuiu ao texto: juizes e promotores de nós mesmos. A pergunta agora é: Quem nos deu competência para isso? Sob quais condições estamos nos julgando e atribuindo nossa própria sentença?Em função de quem e de quê, e até que ponto vale à pena? São questões que talvez nem encontremos respostas imediatas (até porque a intenção não é imediata)porque faz parte do próprio processo "mutante" da vida, mas que precisam ser consideradas. Merece uma atenção especial porque a mudança não deve ser superficial, ela deve ser essencial. Chega de tentarmos resolver as feridas e os problemas com curativos, esparadrapos ou outros paliativos. Se é para ser essencial, deve ser radical...a partir da raiz. E onde está a raiz? Precisamos encontrá-la... Isso só acontece VIVENDO...É por isso que "muta", amiga. Grande beijo e um forte abraço!! Continuemos em processo...

LUCIANO MEDRADO disse...

Eis aqui a verdade desvelada, coisa que poucos compreendem e aceitam. O ser humano é um eterno vir a ser, como dizia Freire, ele [o homem] é um inconcluso. Mas em nada isso significa que não temos uma identidade definida. Temos sim, só q esta personalidade que trazemos, ou seja persona, de onde origina tirar a máscara, deixar cair o véu, é sempre reconstuída ao longo do fazer-se humano nas mais diversificadas experiências. Somos de fato Mutante.
Vlw amiga, que bom que comprendes assim o processa da feitura humana. Ah, gostei do novo modelo do blog, a cor negra é muito convidativa.
Abração do seu irmão do Grupo de Oração Filhos do Padre Pio.
Luciano Medrado.
Ah, outra coisa, quem ler este comentário, convido a conhecer o meu blog: www.lucianomedrado.blospot.com
O nome do blog é: EU SOU SEM MEDO DE ERRAR.

Unknown disse...

Mare, reconhecer que mudar é preciso já é um começo pra mudança, pois como você mesma mencionou no texto, nossa tendência é culpar o mundo a nossa volta quando não conseguimos nos moldar a ele, quando as coisas não saem como planejamos, afinal, desde que nascemos temos um caminho traçado, o que a sociedade espera de nós, o que os nossos pais sonham pra nós, e depois os nossos próprios anseios, nem sempre conseguimos corresponder a tantas expectativas, somos humanos e como tais, passíveis de erros e acertos, e muitas vezes os erros nos levam a outra direção, e o mais cômodo é negarmos que temos que mudar pra acompanhar a nossa nova realidade, e acabamos não fazendo isso, pois quando às coisas não saem como queremos, nossa tendência é nos revoltar, não aceitar e culpar o mundo que não é como deveria ser, enfim... quando nos conscientizamos que mudar é preciso, pra nos adequar as novas realidades, e que mudar faz parte do crescimento, do amadurecimento, tudo parece fazer sentido, os caminhos vão naturalmente surgindo, e o fardo fica menos pesado, é difícil reconhecer que o problema é nosso, que o mundo não vai parar para juntarmos nossos pedaços, e mais uma vez citando Pe. Fábio de Melo: “Quem não muda e diz: ‘eu sou assim mesmo e não mudo mais’, já é o próprio inferno”, mudar é evoluir, é melhorar, e isso é preciso.

Gi Novais disse...

É amiga, é difícil aceitar e suportar certas mudanças. A mudança nos outros é menos agressiva do que aquelas q acontecem dentro em nós!Lindo texto...q Deus te faça conhecer-se sempre mais e conhecendo-se, ame-se e amando-se...AMAR!Bjos