sábado, julho 14, 2007

Ser ou não ser (uma bunda)... eis a questão!




Hoje eu vou escrever sobre algo que me acordou [novamente] para a bosta do mundo que estamos construindo para nossos filhos. Um mundo avesso, mais que imperfeito... que nada tem pra oferecer.


Ontem mesmo eu estava em um evento social, quando pude ser expectadora de um diálogo travado entre um rapaz e uma moça, que me chamou muita atenção. O rapaz, que provavelmente tinha muita intimidade com a moça, disse para ela: "nossa, você só tem bunda!" (referindo-se ao tamanho dos músculos glúteos que a mesma apresentava). Ela prontamente respondeu: "Graças à Deus!". Ele riu, e perguntou à ela o porquê da resposta. Ela não hesitou: "Porque é disso que homem gosta... quando eu passo, eu arraso, todos eles param em mim." Eu ri. E na mesma horinha, pensei: como pode um ser humano adulto pensar assim?


A ditadura da beleza está aí, é fato. Ela chegou de mansinho e já tomou conta do pedaço. E a humanidade, cada dia mais escrava dela. É um movimento que apareceu subliminarmente, e da mesma forma toma conta da nossa mente. Peço que não levem minha opinião ao extremo. Não me refiro ao uso cotidiano de produtos que nos "embelezam" mais, nem às academias de ginásticas espalhadas pelo globo ou às clínicas de estética e cirurgia plástica. Saúde e bem estar físico, boa aparência, tudo isso é normal, e é válido cuidar de si, óbvio. Eu mesma sou cliente assídua da AVON e se tivesse mais disposição voltaria pra musculação (já entrei 3 vezes, mas a preguiça não deixa... rsrsr!!) Não me refiro ao consumo dos produtos de beleza nem à malhação em si, ou às obras-primas fabricadas em centro cirúrgicos por "médicos-artistas", mas à busca incessante pela perfeição, ao exagero, que leva-nos, tantas vezes à extrapolar nossos limites. Refiro-me à valorização exarcebada da beleza física e à "coisificação" de pessoas em bundas, peitos e pernas, senão em carros, cargos e futilidades afins. Eu sinto informar, mas, eu sou muito mais que isso aí. Muito mais que membros a serviço de um corpo. Ou de alguns corpos.



A questão não é "ficar bonita"; é: "qual o preço estou disposta a pagar para ficar "bonita"; qual o preço que eu tenho exigido do outro para que ele seja aceito por mim?" É uma pena que estejamos ainda tão subjugados à imagem. É extremamente triste perceber que a cada dia nos permitimos enquadrar-nos nessa realidade desedificante. E, me perdoem, eu não consigo ver as coisas por outra ótica, senão pela ótica de Deus. Essa é mais uma investida do mal a fim de implantar no mundo o reinado da superficialidade; desta forma a gente não precisa adentrar no mundo do outro nem no nosso. E aí a gente se perde. Sabemos que toda essa extravagância existe a partir de um desejo, consciente ou inconsciente, de ser aceito, de agradar as pessoas, para não ser excluído, de alguma forma. Todo esse desejo parte da necessidade de ser amado, acolhido, compreendido. Porém, o amor atravessa as aparências e reflete lá no fundo de nós. Por ser abstrato, ele só enxerga o também abstrato. E o abstrato é invisível aos olhos da face. Só é possível enxergá-lo com olhos do coração.


Você pode até estar lendo isso e pensando: "ela escreve isso porque não tem a bunda grande". E de fato, não a tenho. Mas, acredite: não foi por isso que muitos homens interessantes deixaram de se aproximar de mim. Não foi por isso que eu deixei de me casar com o homem mais maravilhoso do mundo, em todos os aspectos.Se um gênio da lâmpada aparecesse e me oferecesse 3 pedidos, talvez um deles seria realmente ter o corpo da Juliana Paes. Claro, qual mulher não gostaria de ter um daqueles? Seria fascinante... Mas daí a ter que resumir a minha pessoa à uma musculatura que não serve mais do que pra manter-nos em pé, é outra coisa. Mais uma vez você que está lendo pode estar me chamando de hipócrita, afinal, todo mundo gosta de se sentir desejada(o). E eu te dou razão. Todo mundo gosta de receber elogios, de "arrasar", como a própria moça disse. Eu sou uma dessas pessoas. Entretanto, eu prefiro "arrasar" por um motivo mais edificante. Ser lembrada como "a mulher da bunda grande" não me satisfaz, nem me preenche. Porque um dia, a bunda murcha, o peito cai... a beleza se esvai, e quem gostou de mim por causa da minha "casca" vai sair à procura de outra mais bela talvez. Um dia as rugas chegam, a pele perde o brilho... mas quem me ama pelo que sou, vai continuar me admirando e amando, porque preferiu olhar para além da minha aparência. Prefiro ser lembrada pelas minhas qualidades que não passam, que são, aparentemente impenetráveis, salvo aos que se dispõem a tentar me amar pelo que eu sou, e não pelos acessórios que carrego. Prefiro ser lembrada por ter contribuído de alguma forma para a humanidade, seja no campo científico ou social, do que ser lembrada pelos mililitros de silicone que coloquei nos seios no verão passado. Muito melhor ser lembrada como uma mulher inteligente do que como uma mulher gostosa. Mas, se dá pra ser "gostosa e inteligente" ao mesmo tempo, ótimo! O que não dá é pra se reduzir à um pedaço de carne e colocar todo meu orgulho no temporal.


Se um dia eu tiver um filho, eu vou falar muita coisa pra ele. Listei algumas abaixo:

- A beleza interior é a mais valiosa que qualquer outra. Cultive-a em você e busque enxergá-la no outro.

- O conhecimento adquirido é algo que ninguém te tira. Ele não envelhece e desidrata como sua pele. Você não vai precisar gastar dinheiro com peeling e botox. Um bom livro dura anos. Seja o melhor que pode ser, sempre.

- Não espere que o mundo te reconheça por quem és, mas pelo que tens. Aliás, nem espere reconhecimento do mundo. Se você não seguir as regras dele, este não virá, e pra falar a verdade, nem é tão necessário. Ou melhor, depende de onde você aposta suas fichas.

- Vinícius de Moraes disse "que as feias me perdoem, mas beleza é fundamental". Mentira dele! Caráter é fundamental.

- "Limite" é uma palavra que você deve usar durante toda sua vida, e isso vale para o aspecto "beleza" também.

- E se alguém, algum dia, disser ou der a entender, que ele é melhor que você por causa de uma bunda, não acredite. Bunda você também tem. A diferença está tão só no modo que você a usa.
  • Com carinho, Mary.

4 comentários:

LUCIANO MEDRADO disse...

Mais uma vez, lanço os meus olhos para teu texto e prolongo o teu raciocínio com minhas reflexões. Estamos vivendo uma era onde a "coisa" deixou de ser mera "coisa" e passou a ter mais valor e vida própria do que a pessoa humana. Num tom de coragem vc conseguiu expressar tua indignidade somada a minha em reduzir o ser humano a algumas determinadas partes do corpo. Onde está o valor da pessoa humana? O valor da inviolabilidade de sua integridade? A palavra estética de origem grega refere-se a estado de espírito, daí é que vem um grande jargão que conhecemos "mente sã, corpo são". Assim era como os gregos compreendiam a estética. Com uma frase retirada de teu próprio texto encerro meu comentário: "e quem gostou de mim por causa da minha 'casca'... "
Quando é que o ser humano acordará do seu estado de demencia?
abraços minha irmã.
Luciano Medrado.
www.lucianomedrado.blogspot.com

Unknown disse...

Novamente, suas palavras levam a refletir sobre o poder que a mídia tem de influenciar comportamentos, e como em todos os tempos, somos influenciáveis. Ora, hoje não há quem não deseje mudar algo em seu corpo e pra que? Simplesmente, para se adequar às exigências, cada vez mais altas, do mundo moderno, onde um corpo perfeito tem mais valor que um caráter. Isso refleta ainda, a necessidade que as pessoas têm de serem aceitas, e a busca por essa aceitação as leva a ultrapassar o limite do bom senso, do saudável.
O número de adolescentes que recorrem as cirurgias plásticas, que se tornam anoréxicas e bulemicas, é cada vez maior, e isso é preocupante, é caso para que as autoridades criem campanhas e políticas públicas para frear esses distúrbios que são provocados, na maior parte, pela mídia, que inculte na cabeça da sociedade que vc só será alguém se tiver com o corpo perfeito, nem que pra isso, vc passe fome, exagera nos exercícios físicos, ou seja, alimenta o pensamento de que ficar igual a capa daquela revista não tem preço.
Hoje as meninas se preocupam mais em estarem com um corpão do que com seu futuro, em termos de saúde, estudos, bem estar. É triste ver adolescentes pressionando os pais para colocarem silicone ou se submeterem a lipo, ao invés, de lutar por um curso de inglês, computação ou outra coisa que a faça se sentir mais capaz.
Até onde isso vai parar? Difícil prever, pois nada tem sido feito para frear esse pensamento, que cada dia mais, ganha força e adeptas (os). É bem verdade que se cuidar é preciso, mas sem exageros!!!

Anderson Bastos disse...

Eu concordo. Mas sim, o problema não é só a bunda sabe?
Quando não é a bunda, é o carro, ou algo mais material.
EU não me sinto muito confortável em ter que me enquandrar em algumas coisas pra ser mais efetivo em relações humanas.
Mas é complicado mesmo. Toda a modernidade veio construindo valores tão absurdos que eu já nem sei mais o que é banal.
Gostei do texto, de verdade =)
beijo!

Unknown disse...

Só vou dizer uma palavra "Espetacular"