quinta-feira, outubro 31, 2024

Me dando à luz.


Parir minhas ilusões e fantasias, mediante dores lancinantes, talvez tenha sido uma das experiências mais sofridas dessa minha existência, muito mais do que perder na prática os elementos da mesma. Ter que desenrolar os fios dessa trama, desmascarar os personagens desse drama, derrubar, eu mesma, meu castelo de cartas (que eu julgava ser de concreto), e perceber que dentro deles havia um imenso volume de vazio, não foi fácil, mas foi necessário. Durante muito tempo eu derreti e transbordei, eu me torci pra extrair de mim o que não me pertencia, eu me vitimizei e até me vilanizei tentando compreender os porquês, até entender que a moeda da verdade é a única capaz de pagar o preço da paz e da liberdade, e que, por mais cara e dolorosa que seja a conta, ela deve ser quitada. À vista e sem dó.

sexta-feira, agosto 30, 2024

Estamos certos.

Eu ainda estremeço quando você se manifesta. E isso independe do peso das manifestações, que, ultimamente, se volatilizam num piscar de olhos de tão rápidas que são. Eu passo os dias e as semanas tentando te perder por aí, te guardando no bolso furado da minha calça jeans preferida, mas quando me deparo com teu simples oi, tenho cada vez mais certeza que você está incrustado de forma permanente na minha alma. Me pesa ter que assumir isso, mas sou refém do meu fascínio por você... Isso só prova que o tempo e a distância carecem da inabilidade de destruir aquilo que um dia nós dois julgamos ser eterno. É, meu amor, parece que nós estamos certos..

quinta-feira, agosto 29, 2024

Quase cinco meses.




Acordei tonta de sono. Desbloqueei o celular e olhei o calendário. Já são quase cinco meses sem você. Eu já tinha me acostumado a viver os meus dias imersa na tua ausência, por mais vazios que eles fossem, até você reaparecer e me fazer voltar à estaca zero. A ferida da saudade foi exposta novamente, e, de certa forma, analgesiada, quase curada... só faltou seu corpo no meu. Seu bom dia diário, sua preocupação, seu cuidado e atenção, suas declarações, juras e promessas me inundaram de felicidade e esperança. Mas, do nada, você desapareceu e me deixou, de novo, com os dias vazios e os braços cheios, ninando algumas palavras, um vácuo infinito, um rio de angústia e ansiedade, e milhões de porquês, além de um amor que sangra e agoniza na praça pública da minha alma diante da sua indecisão. 

Pisco os olhos e a noite chega. O tempo tem passado rápido, mas incompetente. Ele pode atropelar os dias, as horas, os segundos, mas é incapaz de levar você pra longe de mim. Nas minhas andanças por aí acabei por beijar outras bocas, toquei outros corpos, mas é como se eu estivesse anestesiada... os olhos não brilham, as pupilas não dilatam, o coração não dispara, a pele não esquenta, os pelos não eriçam, o desejo não acende, o corpo não implora e muito menos aceita outro corpo... Por tudo isso, resolvi deixar a teimosia de lado e desisti de buscar vislumbres de você por aí.

Me afogo em um oceano de indagações cujas respostas jazem no silêncio do teu sumiço. Uma delas é sobre quando mesmo você deixará de ser meu primeiro e último pensamento do dia, e se um dia deixará. Tenho a forte impressão que não. Há determinadas faltas irresolvíveis, e resta-nos empurrá-las pra um canto qualquer da memória e apenas aprender a conviver com elas.


terça-feira, agosto 20, 2024

Sete minutos.


Li em algum lugar que, após a morte, o cérebro humano ainda funciona por sete minutos, apenas para lembrar as melhores memórias, e depois se apaga. Quisera eu que o definitivo fechar dos meus olhos, o findar das minhas funções vitais e o cessar das minhas sinapses te sepultassem junto ao meu corpo inerte e gelado,  te decompusesse pelos vermes, te sucumbisse às profundezas da terra, e te fizesse desaparecer ante o véu do tempo. Quisera que o meu sono te tirasse temporariamente da minha tela mental, que meus sonhos te excluíssem de suas cenas, que meu pensamento se distraísse pelo menos um segundo da tua imagem que baila nitidamente nele. Quisera, agora, descansar no teu corpo tão lindo e tão meu, que nem a vida nem a morte podem de mim te arrancar. Quisera que a generosidade da vida te trouxesse de volta pra mim de presente, embalado num papel de futuro, pichado dos nossos  momentos que se negam a ficar no passado. Quisera apenas mais sete minutos com você... 

Li em algum lugar e talvez seja verdade, não sei. Contudo, ratifico sem medo de errar, tenha certeza que, na minha derradeira hora, serão teus, não só estes 7 minutos, mas o resto de toda a minha eternidade...

domingo, agosto 18, 2024

Eu te encontro.

Te amar de longe é como estar ancorada no meio do espaço sideral. Não escuto som algum, não vejo nada. Tudo está escuro, tudo é incerto, exceto pelos lampejos intermitentes das tuas fantasmagóricas aparições que, ainda assim, cintilam há milhões de anos-luz de mim, lampejos estes que tanto esperançam quanto maltratam. Mesmo te sentindo pulsar dentro de mim o tempo inteiro, não te alcanço, e não poder te tocar me faz sentir meu corpo se decompondo em vida. Mesmo te sentindo correr por todas as minhas veias e artérias e observando ansiosa as tuas paradas na minha mente e no meu coração, te sinto escapar por entre meus dedos a cada vez que, do nada, desarvoras... cada vez que me submetes a isso eu sinto como se eu estivesse te perdendo pra sempre, e eu já perdi as contas das vezes que essa sensação me tomou em forma de um desespero profundo, que me afogou numa dor tão aguda que sou incapaz de denominar ou mensurar. Você não sai de mim. Vive na minha pele, se esconde nos meus poros, levanta arrepios abruptos, descompassa meu coração e provoca sensações involuntárias e indescritíveis. E por mais que eu queira te perder de mim, não adianta; longe ou perto, em ciscos ou em cacos maiores, eu te encontro. E se não te encontro, eu te sinto. Porque se é verdade que o que os olhos não vêem o coração não sente, posso afirmar que o que o coração sente, os olhos conseguem ver. Por mais que me digas que és meu e eu sou tua, que me amas sem medida e pra toda a eternidade, o que faço eu apenas com o arcabouço dessas palavras? O que eu faço com toda a intensidade desse nosso sentir que cabe, sem folgas, na eternidade dos dias os quais atravesso? O tempo inteiro me sinto sugada pelo vácuo da tua ausência e asfixiada pela saudade que ela me imprime. Só sei que se antes o meu amor por ti beirava o infinito, hoje suplanta todo ele...

domingo, julho 21, 2024

Por falta de opção.

Dos infernos que já estive, só eu sei. Por quantas vezes? Essa conta já perdi faz tempo. O fato é que depois de tantas andanças por lá, a gente acaba por se acostumar um pouco. O caos se torna familiar, a dor, companheira. Já nem tenho medo de passar por lá; conheço de cor todos os labirintos e portas de saída. Aliás, é bem aí que mora a diferença: eu nunca permaneço lá por muito tempo. Eu domino a arte de renascer das cinzas, de recomeçar quantas vezes forem necessárias, não porque sou forte, guerreira ou algo parecido... eu apenas não tenho escolha. Por isso os mergulhos, as tentativas repetidas, a sede, a urgência, a intensidade... por isso a resiliência, a ressignificação, os reinícios... por isso eu sou assim. Quem escolhe a vida, não tem outra opção...


sábado, julho 20, 2024

Aquela nossa música.

Ontem eu chorei ouvindo aquela nossa música. Chorei porque eu nunca quis que fosse assim. Porque eu sonhei, e todos os dias ainda me pego a pensar em tudo que a gente sonhou, e cá pra nós, eu não consigo admitir essa reticência. Queria tanto que meus pressentimentos tivessem passado de grandes blefes...! Olhar pra trás tornou-se insuportável, e eu não aguento perceber que aquela felicidade sem fim agora jaz dentro de nós dois. Eu não consigo suportar a ideia de que minhas certezas se diluíram, de que aquela infalibilidade era ilusória. Chorei porque eu me sinto golpeada por você. Porque você deixou a sua covardia te paralisar. Porque eu me nego a acreditar que a gente foi um equívoco. Releio nossas conversas, reouço os teus aúdios e busco neles alguma coisa que faça eu te expulsar de dentro de mim. Não encontro. Então, culpo o tempo, os astros, os signos e choro outra vez. A verdade é que eu ainda não admito perder você. Tem tanto de você aqui que eu não sou sequer capaz de mensurar, porque beira o infinito. Porque eu te amei muito, amei mesmo, e ainda amo... essa talvez seja minha única certeza, e parece que é por ela que eu vivo. E sigo.

domingo, julho 14, 2024

Dia noventa e seis.


Noventa e seis dias depois eu desabei. Escorreguei pela parede da cozinha e me espatifei no chão.. Como testemunhas, a pia, a geladeira e o fogão; mudos, estáticos, inertes. Mas, eu, não; eu chorei alto. Eu gritei teu nome, bradei para o prédio inteiro ouvir a tonelada de saudade que me esmagava. Cheguei no limite do limite da minha fortaleza. É muita falta pra uma existência só... Cada lágrima expulsava de mim o infinito de saudade que me sufocou por todo esse tempo. Quase asfixiada, eu te chamava como se você pudesse ouvir... eu só queria que o som do monossílabo do teu nome chegasse aos teus ouvidos. Se eu tivesse certeza que logo mais esse sentimento desembocaria num vão qualquer, seria mais fácil. Mas, não; nosso amor tem atravessado o tempo intacto, e se nega a se diluir, por maiores que sejam as circunstâncias e as intempéries. Você é, simplesmente, a minha certeza mais exata, e é muito louco saber que mais do que saber disso, a gente sente... nós nos sentimos o tempo todo, e não há distância, pessoa ou condição que anule isso.  

Eu te amo, e não tenho pressa - a eternidade do nosso amor nos permite essa licença. Até um dia, meu amor! Nesta ou na próxima existência...

sábado, junho 01, 2024

Medo.


Eu digo pra todo mundo que eu não consigo te esquecer, mas a verdade é que eu tenho medo de te esquecer. Medo de aprender a viver sem você, abrir a porta da minha vida e dar de cara comigo mesma. Medo de romper o último e único elo que ainda nos mantém: a dor. Mas, maior ainda, é o medo de derrubar minha ilusão do trigésimo andar e assistir a morte agonizante, prematura e trágica do nosso amor. Medo de me cortar com os cacos dos sonhos que construí. 
De te exonerar de vez e me ver perdida, sem combustível para alimentar esse vulcão de emoções que erupciona cada vez que que você se manifesta, perto ou longe, e que eu julgo ser meu oxigênio de viver... De abrir outra ferida que, mesmo que seja menor do que aquele talho que você deixou no meu coração, possa vir a sangrar mais e mais. De me livrar da sensação de vida que essa paixão me proporciona, ainda que você não esteja mais aqui. De me levantar da zona de conforto na qual a ilusão me nina, de experimentar a sensação de vácuo que o nada me traz. Faz tanto tempo que eu ando carregando você dentro de mim, mas tenho tanto medo de que doa muito mais te parir do que viver suportando infinitas e lancinantes contrações durante a vida inteira, que eu não só estou fechando as pernas: estou fechando meu coração e meus olhos, estou fechando minha vida pra qualquer sentimento que eu possa vir a gestar - e nem te odiar eu consigo. Eu tenho medo de me deparar com o vazio que, além daqueles que eu já tenho, você me deixou de herança. 

Os dias passam e mesmo desejando muito, eu tenho optado por fugir de saber de você, de ouvir da sua vida, simplesmente porque eu prefiro manter intacto aquele cenário que a intensidade dos nossos momentos ergueu bem no centro da minha memória. Então eu escrevo centenas de milhares de linhas, eu brinco com as palavras ao mesmo tempo que brigo com cada uma delas. Eu preciso me derramar - é a minha forma  de lidar com a tua ausência tão presente. Discuto todos os dias com o tempo: como pode ele demorar tanto pra te trazer pra mim e ser tão rápido em te levar? Pausa para um sorrisinho de canto de boca: é impossível pensar em você sem rebobinar alguma cena do nosso filme. 

Os dias passam, e aquela certeza de que os dias idos poderiam regressar em forma de um novo presente anda cada vez mais distante. Já não nos vemos, nem nos ouvimos... não nos falamos. Até quando, unidos apenas pelo fio invisível do nosso amor, suportaremos? 

terça-feira, maio 21, 2024

Eu queria que fosse você.

 


Eu quis tanto que fosse você! E por tanto tempo eu até cheguei a acreditar que sim, que era você. Eu cheguei a dobrar os joelhos no chão, erguer os olhos para o infinito e agradecer  pelo presente mais lindo que eu achava que o universo tinha me dado. Eu trazia um sorriso largo no rosto, morrendo de medo que alguém descobrisse que você tinha chegado e resolvesse fazer algo pra te arrancar de mim. "O que ninguém sabe, ninguém estraga"... não é assim que prega essa geração ridícula que delega à inveja alheia o sucesso das nossas conquistas? Eu te tinha nas minhas mãos, mas andava morta de medo de que, qual areia, você escorresse por entre meus dedos. Eu queria te gastar pro mundo todo ao mesmo tempo que queria te esconder como o que de mais sagrado havia em mim . Na minha cabeça eu não suportaria mais um nocaute. Então eu me agarrei na minha certeza mais exata: você.  

Eu mergulhei fundo, sem escafandro nem cilindro de oxigênio, e quando percebi que meu fôlego estava acabando, não tive outra escolha; eu tive que subir à superfície abruptamente, e isso explica essa dor lancinante pra respirar que sinto o dia todo, todos os dias. Eu sabia que morreria de qualquer forma, mas optei por morrer com dignidade. E, embora não pareça, isso faz uma diferença considerável.

Sigo buscando avistar um atalho pra me livrar desse mar de me afogar no amor que sinto por você, enquanto nele você boia, todo safo, todo lindo, todo meu.

Mas, eu queria mesmo que tivesse sido você. Muito. Demais. Só que eu não podia querer por nós dois. Nem posso. Nem Deus pode, nem o universo, nem ninguém pode te fazer comungar desse meu querer. E hoje, também, nada disso mais importa. Fizemos nossas escolhas. Selamos nossos destinos. 


segunda-feira, maio 20, 2024

Me deixa passar.

Ligando pra gastar o crédito do meu celular. Sabe como é né? Essa operadora rouba, rouba da gente... não dá pra deixar nem um centavo pra ela. Mas, além disso, tem muito motivo embutido nesse ódio mortal que eu nutro pela minha operadora e que eu tento transferir pra você, sem êxito - ainda. Tô ligando pra tentar romper isso que nos liga. Pra pedir que você se perca de mim já que você insiste em me encontrar toda vez que tento me perder de você. Que vende os olhos, dê várias voltas em torno de si e tome cuidado para não afundar abraçado às suas circunstâncias, com toda a força, tonto, no chão; que crie ímãs e se ligue, definitivamente, a elas. Que fure os bolsos do coração, crie coragem pra chorar de saudade de mim, invente um Alzheimmer, sei lá, você é inteligente o suficiente pra encontrar uma forma de me deixar ir de você. E que apague da memória todas as músicas que eu cantei pra você, porque as lembranças são as coisas mais fomentadoras de sentimentos que eu já vi nessa vida. 

Também estou ligando pra dizer que você tem treinado o meu poder de racionalização como ninguém, mas, confesso, está muito difícil, porque é em você que abrigo todo o meu amor. Que meus piercings ficaram lindos, e que é uma pena você não tê-los visto pessoalmente. Tô ligando pra te pedir pra compreender de vez que quando disseram por aí que um é pouco, dois é bom e três é demais, não estavam somente se referindo às proles; isso funciona perfeitamente com a gente também. E, aproveitando a deixa dos ditados populares, pra te dizer que tudo que é demais é sobra, resto, e é assim que você faz com que eu me sinta quando escolhe a clandestinidade pra me confessar suas confusões ou pra me ter.

Ligando pra dizer que eu tô bem, na medida do esforço que tenho feito pra tentar ficar. Que rola uns friozinhos na barriga quando chega alguma notificação de mensagem, mas logo passa. Tudo passa, meu bem. Me deixa passar por você...

sexta-feira, maio 17, 2024

Reencontro.


Você me vem e me preenche de sorrisos e olhares, de beijos e toques, de abraços e incertezas, de pronomes possessivos e verbos subjuntivos, e eu, tonta de paixão, derreto-me desfazendo o turgor de outrora. Você me envolve de mistérios, e me mantém refém da espera, atrasa meu sono e antecipa meu despertar. Consegue me dar um dia de presente, sem sequer deter o poder sobre ele. Me transporta para outra dimensão sem tirar meus pés do chão. É presente mesmo na completa ausência. Me pede calma ao mesmo tempo que me faz perdê-la. Fomenta minha intensidade e minhas necessidades mais íntimas e sacanas. Consegue me excitar só de me olhar. Ludibria meu tédio, mesmo quando a rotina me toma. E não sabe fazer outra coisa, senão ser em mim. Apenas ser em mim.

Mas, de repente, pisco os olhos e você não está mais aqui. Sempre chega essa hora, a hora em que o vazio volta a se instalar. Tua falta retorna e se coloca, com unhas e dentes, ousadamente, a enfrentar a intensidade que cintila entre nós. Então, eu me mordo de vontade de você, de desejo de sorver teu gosto novamente. Sangro. Mas, sangro pelo avesso. Contrario o verter do fluxo num esforço descomunal e me sinto afogando por dentro, numa agonia indescritível, não como alguém que não consegue inspirar, mas como alguém que, contrariando toda a lógica da fisiologia, se asfixia por não poder expirar... 

Mas é que eu prefiro sangrar por minhas próprias mãos e também por elas me estancar, a ter que me entregar nas suas e correr o risco de você, mesmo sem intenção, terminar de romper de vez com minha hemostasia. Saudade tá rasgando tudo. Mas eu me mordo. Eu mordo cada laceração, cada retalho de mim que tua ausência corta. Mordo o travesseiro, o urso de pelúcia, e os dedos de tanta vontade de morder o lóbulo da tua orelha, a tua boca e a tua barriga. Mordo os meus próprios lábios pra tentar sentir o gosto que os teus deixaram ali. Mordo um sanduíche de queijo pra ver se essa vontade passa, mas a única coisa que resolve passar é o curta dos nossos momentos na minha mente, e um replay das nossas músicas no áudio do meu celular. Mordida e ensanguentada, levanto a cabeça e sigo em frente, levando entre os dentes essa vontade de te ver e de te ter de novo e pra sempre, sem, no entanto, nos fazer sangrar além do que nossa realidade já tem nos feito...

quarta-feira, maio 15, 2024

Mais eu.


Eu escolho velejar em águas mansas, brandas, porque eu mereço a calmaria, a exclusividade, a prioridade. Eu sou cara, eu sou rara. Só me tem quem pode e quem tem culhões para tal. Nunca vivi na coluna d'água da vida, o cálido me causa ânsias de vômito, o tédio me deprime, as indecisões me irritam, eu sou intensa, e não me permito receber menos do que mereço. Minha vida não cabe em taças pela metade: se assim for, eu entorno todas e as quebro, por mais delicioso que seja o conteúdo, por mais lágrimas que isso me custe. Prefiro o nada à metade de algo, ou principalmente, de alguém. Se quiser venha: o tanto de espaço que tem na minha vida, na minha alma, no meu coração consegue abarcar tudinho, sem sobras. Mas, venha pleno, sem arestas, sem afluentes, sem pendências ou confusões. E quanto às migalhas, mantenha-as com quem acha que sobrevive e se conforma com elas, porque eu sou uma alma imensa e sedenta demais para me contentar com coisas tão minúsculas, rasas e líquidas. E cresce um pouco; quem sabe um dia você, enfim, caiba em mim. 

sexta-feira, maio 10, 2024

O tal click.


Quando a gente se deita e se enrosca, eu ouço o click do encaixe perfeito do meu corpo no seu. Cada milímetro da minha pele em cada milímetro da sua. Mas, pra mim, toda essa proximidade ainda é pouco. Se eu pudesse, me fundia a você, tornando-nos fisicamente o que já somos espiritualmente: um só. 

Quando a gente se toca, os meus pelos se eriçam, a minha boca te pede, minha língua saliva, minha calcinha se molha e meu corpo te implora... e a gente se pega numa deliciosa dança de amor e desejo como se fôssemos duas taças a tilintar num brinde de duas almas que se amam mais que tudo...

Quando você invade meu corpo, eu sinto nossas almas se tocarem, e eu só consigo pedir a Deus que o tempo estacione indeterminadamente... te ter em mim como hóspede me plenifica, ser sua mulher me transborda. 

Quando você repousa o cansaço do seu gozo no meu peito, eu me sinto a mulher mais feliz que o universo pode permitir existir... eu ratifico que sou sua, e sempre serei... o peso do teu corpo no meu me enternece e por vezes eu me pego desacreditada que somos uma realidade até sentir teu coração batendo forte por sobre o meu e entender que sim, nós existimos e somos um do outro. Delícia ter teu cheiro impregnado em mim, amor meu. Azar - puro azar - de quem nos perdeu. Feliz, por meu sorriso ter a companhia do seu...

quinta-feira, maio 09, 2024

Meu vício agora.

Você é a minha droga. Um vício de se ver e de sentir. Sua boca, meu oásis. Seu cheiro, meu ar. Sua voz, minha música preferida. Seu olhar, meu cais. Seu bíceps, meu travesseiro. Pernas enroscadas, respirações sincronizadas, batimentos cardíacos rítmicos. Tudo isso envolvido num amor que ninguém nesse mundo havia conseguido me amar até hoje. Por tantas vezes despertei no meio da noite como quem desperta de um sonho, e me punha a te olhar, sem acreditar que tinha conseguido caber tão perfeitamente nas dimensões do seu abraço. Era tanta magnitude e urgência naquela nossa forma desesperada de amar, que a impressão era a de que o mundo iria acabar no instante seguinte à pausa de cada expiração nossa, e por isso eu me apressava em sorver daqueles instantes o máximo do que podia. E assim o fiz. Você, por tantas vezes, foi meu antídoto também, não se engane. Mas, hoje, não passa de um veneno chamado saudade. Finalizo com doses mansas de vontade de te ver e te sentir novamente.




terça-feira, maio 07, 2024

Ao te ver passar.


Navegando por aí, me deparei com tua figura translúcida e vívida, sorrindo litros para uma câmera qualquer. Você, tão lindo, caminhava por entre o verde das folhas, e brilhava tanto que eu posso apostar que, junto ao astro rei, você também fotossintetizava sem pestanejar... Instantaneamente, meu coração, aos pulos, gritou pelo teu. Minha pupila dilatou ao te ver passar por ela. Meu peito fez menção de explodir. Meu corpo estremeceu e eu senti o eriçar de absolutamente todos os meus pelos. Por alguns segundos, senti minha respiração parar e me indaguei: então é assim que se morre de amor? Todas as reminiscências daquilo que vivemos saltaram diante dos meus olhos como um longa dos anos vinte: tudo em branco e preto, como a minha vida agora. E porque não dizer a nossa? Digo isto porque estou certa de que o tempo passa, mas nada do que vivemos consegue passar junto com ele: nosso amor fica - e há em mim a certeza que você sente isso também. Fica, por mais intempéries a que ele esteja subjugado. Fica, por mais que o medo e o orgulho berrem. Fica, por mais que a distância esbraveje o contrário. Por isso sempre nos conjugamos no presente... nós somos, e isso é e sempre será inquestionável. O nosso amor é e sempre será, porque, por mais que o tempo tente argumentar, ele consegue atravessá-lo intacto e infalível. Supremo. Impávido. E eterno.

quarta-feira, maio 01, 2024

Luto por um amor que não morreu.


A dor do luto de um amor que não morreu é insuportável. 
Às vezes termino o dia exausta, porque criar e velar um morto assim, tão de repente, cansa. Reviver, diariamente, um velório sem defunto e sem caixão requer um gasto de energia absurdo. Descer à sepultura uma pessoa viva, sobretudo quando ambos respiravam tanta vida, paixão, intensidade, plenitude e planos, machuca demais. Matar uma relação antes de qualquer desgaste, insalubridade, frieza ou toxicidade, traz o remorso natural que os assassinos culposos sentem. A gente nunca quis isso, mas aconteceu. O fato é que descobri que o nunca mais da morte é mais fácil de ser deglutido do que o nunca mais da vida. O nunca mais da morte é objetivo, definitivo e involuntário, mas o nunca mais da vida vem permeado de subjetividade e rejeição, e isso dói mais do que o próprio nunca mais.


terça-feira, abril 30, 2024

Talvez.


Foi lindo porque era a gente... e não há dúvida sobre isso. E nunca mais será tão perfeito, tão mágico, tão imenso, tão intenso, tão tudo... simplesmente porque não seremos mais nós... 

Talvez nos procuremos em bocas, peitos, cheiros e olhares outros, mas nunca nos encontraremos, porque nossa história se imortalizou nos momentos únicos e inéditos que nós protagonizamos. Nós. Apenas nós. Únicos. Irrepetíveis. Tão loucos e ao mesmo tempo tão impérfidos... nós... morando eternamente naqueles segundos impassíveis de serem apagados, substituídos ou sequer superados.  

Talvez encontremos outros abraços, outros beijos, outros sexos, outros corpos... e quando nos despirmos de nossas roupas diante deles, nossa retina se negará a fotografar coisa alguma, pela total falta de sentido que isso fará... eles nos serão sempre estranhos, e no breu do fechar das nossas pálpebras enxergaremos apenas um ao outro, encerrados na memória perene que impede que um amor da magnitude do nosso caia em meio ao vão de um vácuo qualquer.

Talvez sigamos caminhos diferentes mas é certo que em algum momento da eternidade eles se cruzarão em um único novamente; almas afins estão destinadas a se encontrarem em algum momento, e essa é a razão pela qual sinto paz, mesmo estrangulada de saudade. 

A carruagem do tempo não para, e não há como saltarmos com ela em movimento. Não há escolha outra senão caminhar em frente, coluna reta, peito empinado, olhos fixos no horizonte, ainda que o coração permaneça parado na estação da nossa breve história desta encarnação. Mas o tempo, ele é sábio, e nos conduzirá um ao outro quando a urgência das nossas almas irromper o véu dele mesmo. Então, enfim, nada nem ninguém nos deterá. Pra todo o nosso sempre.

segunda-feira, abril 15, 2024

Irrevogável.



Diga-me: já estamos no inverno? Perdi um pouco a noção do tempo depois que a primavera nos abandonou. Se souberes, responda-me também: em que ponto da sua órbita a Terra estaria mesmo? Mais longe ou mais perto do sol? 

Pergunto, pois os dias têm sido amenos. Já as noites têm me engolido com seu silêncio profundo e atroz. Deito-me e, dentre tantas certezas, me deparo com uma aparentemente irrisória, mas que traz paz e me faz adormecer: na grade das existências pretéritas, estamos desde sempre enredados às teias do destino. E isso é tão imutável quanto irrevogável. 

Ainda assim, sigo derramando amor na paisagem bela da tua face que cruzou meus dias... como olvidar o fato de que ambos fomos resgatados dos nossos respectivos obtusos mares de viver? Se fomos presenteados com a dádiva do reencontro, por que permitimo-nos nos perder? 

A outra certeza que me assola, a de que a força mais poderosa do universo nos une onde quer que estejamos, me acalenta. Estamos ligados pelos séculos sem fim, porque o amor é eterno e seus laços, indestrutíveis. Sigo reinventando uma forma de sobreviver por pura falta de opção. E se, em breve, não refizermos o nosso caminho, aceitarei tal agrura infligida a mim pelo teu livre-arbítrio. Não temo; eu vou te esperar na esquina mais florida e iluminada da nossa próxima existência... 

domingo, maio 20, 2018

Domingo.




Querido Heitor,

Depois de fugir de lembrar de você ao longo de toda a semana, chega o domingo e a impressão que dá é a de que todo o esforço foi vão. Eu sempre achei domingos dias tão nostálgicos, Heitor, e os últimos têm sido cortantes nesse quesito. Quando tudo terminou eu fiz o que sempre faço quando o chão foge dos meus pés e o horizonte das minhas vistas: choro. Choro muito. Choro pela falta que sobra, pelo verbo acontecer no gerúndio que não dá mais pra conjugar mas sobretudo pelo que não deu tempo de acontecer. Tenho péssima resistência à expectativas frustradas, confesso. Eu derreto e transbordo mesmo. Gasto a dor e a tristeza, faço elas escoarem pelas calhas do sofrimento. Me afundo na cama e me afogo com minhas lágrimas no travesseiro. Eu me torço pra extrair de mim o que tá machucando. Eu grito, conto pra todo mundo, me vitimizo e me vilanizo numa alternância que até assusta. Mas ao fim eu sempre me levanto, Heitor. Estou me levantando. Todo mundo tem um botão de restart que, cedo ou tarde, consegue alcançar e ligar e aí acontece o que chamam de superação, e comigo nunca foi diferente. Você não é o primeiro que me acomete um amargor tão insuportável, embora tenha sido o mais infernal de todos. Mas, espero que tenha sido o último.


A propósito, passei naquela disciplina tão difícil. Estudei tanto, Heitor, dia e noite. Desenhando as fórmulas e moléculas, me lembrei de você me ajudando a estudar a mesma coisa ano passado. Lembrei dos nossos planos de Europa, filha, apartamento e moto 300 cilindradas.  Volvi minha mente àquele dia e me vi voltando a procurar respostas que eu já tinha guardado naquele meu bolso furado de sempre para que se perdessem no tempo por acreditar que pra seguir em frente eu tinha que lidar diretamente com o fato presente, e o fato presente é que você não está mais aqui. Pior, você me deixou. Quis me deixar. Por livre e espontânea vontade, Heitor. Voltei, e me vi como que entrando no World Trade Center naquele 11 de setembro. Como alguém que acorda, sai para trabalhar, entra num prédio e de repente ele implode com você dentro dele. Mas ao mesmo tempo como alguém que sobreviveu aos destroços. Como alguém que, ainda que odeie clichês, não pode se encaixar em outro mais exato: eu domino a arte de renascer das cinzas.

É lei natural dos mundos que ciclos se fechem para que outros se abram. Você foi um ciclo que se fechou para que outros na minha vida se fechassem também, mas isso é assunto pra outra carta. Prometo enviá-la em breve. Por mais que não me leias, preciso dizer-te. Talvez seja uma forma de parir tua ausência, ainda que de pedaço em pedaço.

Gabriel Chalita fala que a dor de uma paixão passa se tivermos maturidade para conversar com o tempo. Eu acrescento: e também com o afastamento. O que os olhos não vêem o coração não sente, Heitor, mesmo que eu ainda te sinta todos os dias. Impressões digitais deixadas na alma são indeléveis, meu caro, não sei se você tem sensibilidade para entender isso. Ainda te sinto.

Com sentimento, sensibilidade e sentido,

Helena




terça-feira, maio 15, 2018

E se.



Heitor,

A memória do meu celular anda acusando-se cheia diariamente. Todos os dias emite mensagens gritando para que eu a esvazie de alguns megas. Ele continua lento como uma tartaruga. Preciso urgente achar espaço nos meus dias para fazer isso. Ou seria coragem, já que grande parte dessa ocupação se deve às nossas fotos? Eu ainda não as apaguei, Heitor. Talvez seja esse o motivo de seus intermitentes pedidos de evacuamento: até ele sabe o que é melhor pra mim.

E por falar em memória, vira e mexe, tantas reminiscências nossas, ousadamente, emergem... Juro que não as evoco Heitor, juro por tudo que vivemos. Acontece que sempre acontece algo que me remete a um fato pretérito nosso. Pretérito no sentido cronológico, apenas.  A memória é um dispositivo cerebral capaz de atemporizar tudo, até o que a gente não queria. Uma música, um lugar, um cheiro. Uma porta que bate. Sim, Heitor, uma porta que bate. Ontem mesmo, lembrei do dia em que você me agradeceu por não ter batido aquela porta. Em uma de nossas raríssimas discussões, saltei violentamente do carro e abri a porta da minha casa. Fiquei parada ali, mais de um minuto, sem saber o que fazer. Observava teu semblante aflito dentro do carro, através da minha visão periférica. Braços debruçados sobre o volante, olhar perdido no horizonte. Observava as batidas do meu coração já apaixonado por você. Minutos antes você tinha me dito que não aceitava ser menos que  meu tudo, e eu já tinha tomado uma decisão interior de nem ser nem fazer de ninguém algo tão perigoso quanto ser o universo de alguém. 

Eu sempre tive medo de tudo, menos de me atirar de penhascos e naquele momento, Heitor, você era um dos penhascos mais profundos que a vida me apresentara até aquele dia, por uma gama de coisas que agora não convém entrar no mérito. E eu tive medo, mas lá no fundo, pelo menos uma vez na vida eu também queria experenciar essa coisa de ser tudo pra alguém, como você dizia que eu já era pra você. Eu tinha em uma mão as chaves de casa e na outra as chaves de um futuro. Eu não entrava, você não arrancava o carro. Durante aqueles segundos pensei em quantos amores já tinha sido abortados em nome de receios, orgulhos, dúvidas, e voltei. Voltei, te disse dez desaforos, você me beijou, e fomos felizes enquanto nosso sempre durou.

Eu sei que aos trinta e tantos essa síndrome da cinderela já deveria ter desaparecido, mas eu prefiro culpar meu sol e minha lua em Peixes por não conseguir me livrar da atropeladora intensidade que me acomete.

Hoje, Heitor, eu fico me perguntando o que teria acontecido se eu tivesse batido a porta, subido as escadas, metido a cara no meu travesseiro e chorado até amanhecer do dia. O quão melhor ou pior teria sido. Onde e com quem eu estaria agora. Quantas lágrimas eu teria evitado e quantas inimizades eu não teria feito. Penso no espaço mais livre que minha caixinha de equívocos teria. Mas também penso em quantos pores do sol eu deixaria de ter assistido com a cabeça reclinada sobre teu ombro e em quantas noites de sono eu teria perdido com a cabeça reclinada sobre teu peito. Em quantas viagens eu deixaria de ter feito, e em quantos lugares fantásticos eu não teria conhecido. Eu fico me perguntando mas a verdade é que nunca saberemos como seríamos caso nunca tivéssemos sido. Mistério que ficou eternamente trancado a sete chaves num baú chamado tempo.

Mergulho então em uma das minhas premissas interiores mais certeiras e me acalmo: nada em vão nos acontece. Enfrento os dias fundamentada em outra: essa dor também há de passar. Adormeço ninada pela paz que aquela escolha me traz: sempre será melhor arriscar do que colecionar "e se's", não importa qual seja o fim.

Com certezas confortantes,

Helena

segunda-feira, maio 07, 2018

Assumindo.



Querido Heitor,

Preciso começar a assumir determinadas coisas para mim mesma. Assumir é meio que como trazer algo à tona e torná-lo passível de despedida, desligamento. Longe de mim querer te esquecer, Heitor. Não porque tu é especial, mas porque trata-se de algo impossível, e faz um tempo que eu desisti de realizar esforços vãos. O que se vive, sobretudo da forma intensa a qual vivemos, a memória eterniza. Quão longe o futuro avance, eu sempre hei de recordar de tudo que vivemos, talvez com o embotamento peculiar que o tempo acaba por imprimir aos momentos, mas, salvo eu me torne amnésica, esquecer, é impossível. Ninguém esquece ninguém, apenas arquiva, uns em locais pouco acessíveis, outros em compartimentos mais impérvios. Eu sempre fico com a primeira opção, não por escolha própria, mas porque  o meu extremismo funciona no mecanismo da proporcionalidade: um amor intenso, uma indiferença idem.

Assumir que nosso fim me trouxe alívio além da dor, dói, porque me faz também assumir que eu mentia pra ti quando tu me perguntava se eu tava feliz. Eu te respondia que sim, e realmente tava. Feliz contigo, ainda que o teu entorno me comprimisse sem nenhuma dó. Juro que tentava chorar escondido no banheiro, sorrir o tempo todo, fazer brilharem os olhos, enquanto aguardava tuas decisões, mas minhas lágrimas e meu sorriso são tão desobedientes quanto minha alma é transparente. Havia um ninho só nosso, e nele eu era estupidamente feliz contigo. Mas o mundo não era você, Heitor, e por mais que eu quisesse que fosse e fizesse tudo pra ser, você nunca seria. 

Tu era meu número ao mesmo tempo que eu tinha que me reduzir pra caber em ti e no teu mundinho tosco de drogas, sexo e rock'roll, literalmente. Tu me completava e, bêbada de paixão, eu achava que aquilo me bastava. Eu acho que substantivo nenhum te adjetivaria tão perfeitamente quanto o que eu te dei numa noite daquelas, antes da gente dormir: tu era meu oásis. A primeira vez que eu te dei esse título não tinha um porquê além do significado de prazer e paz, próprio do local geográfico. Mas hoje entendo o sentido amplo e superior disso tudo: tu era meu oásis porque de dia, ao meu derredor, só tinha deserto mesmo. 

Resolvi fundir nossas vidas na expectativa da soma, mas eu fui esmagada pela tua realidade de uma forma a qual eu nunca te relatei na íntegra, e nunca o farei. Já não faz mais sentido falar sobre. Pelo menos até a minha cura completa, não. Às vezes eu retalhava meus incômodos, mas tua insensibilidade sempre gritou mais alto, forte prenúncio de onde e como o rio das nossas vidas iria desembocar. Em nome de um otimismo desmedido, que na verdade tratava-se de uma louca vontade de fazer as coisas darem certo, eu sempre optei por continuar. Mesmo pressentindo os piores possíveis finais eu jamais neguei minha natureza de ir até o fim. Contigo eu me sentia completa, porém angustiada. Hoje falta você mas eu sinto paz. Deve ser por isso que alguns doentes terminais preferem morrer em casa. 

E dói ter que assumir isso. Dói destruir ilusões, porque elas são o que de mais perfeito nossa condição humana pode construir. Dói, pra uma intensa de carteirinha como eu, perceber que a razão tem falado, ultimamente, e tem sido ouvida. Dói ter certeza que eu me apaixonei por um protótipo de príncipe encantado. Que, longe de príncipe, tu é um sapo daqueles brejos de quinta. Que eu amo um cara que não existe e nunca existiu. 

Mas mesmo doendo isso tudo, eu sinto paz e não a trocaria para voltar contigo, porque voltaria você e todo seu entorno, com suas margens estreitas, e afluentes, e eu me afogaria e continuaria vivendo uma morte em vida. E eu quero a vida pra viver, Heitor, não pra minguar. Eu só te queria sem tantos afluentes tão influentes. Eu te queria com menos declives. Te queria rio em cima da montanha, mas tu não é assim. Tu não é pra mim.

Entretanto, viveria tudo de novo, porque foi muito bom te ter e ser sua no curto espaço de tempo que nossa história se deu. Porque o que vivemos acabou, mas de alguma forma, tu ficou. Na memória, nos riscos, no sangue. Lembranças não perecem, Heitor. O bem que tu me fez, também não.

Com paz no coração,

Helena.

domingo, maio 06, 2018

Pra que saber?




Bom dia, Heitor!

Veja como são as coisas... soube que você encontrou o Tony pela rua e perguntou como eu estava. A mesma pergunta lançou à Clarissa, poucos dias depois. Ambos vieram me contar de sua suposta preocupação com minha integridade mental e emocional. A fala deles, não sei se denotava conforto ou fofoca, não sei mesmo, mas ainda assim ouvi com o estremecimento interior característico de quem recebe notícias daquele que foi o grande amor de sua vida. Antes de mais nada quero que saiba que proibi todo e qualquer ser vivente falante de me contar sobre você, sua vida, sua amante, seus trabalhos e afins. Além de não ser mais da minha conta, não existe algo mais torturante do que saber acerca de quem que não se pode mais ter. 

Por um milésimo de segundo imaginei que sua pergunta veio recheada de culpa, remorso, curiosidade ou conveniência, e fiquei com a quase absoluta certeza da última opção, posto que te conheço relativamente bem. Abraçar essa opção também não deixa de ser conveniente pra mim. É mesmo muito baixa a forma pela qual você consegue passear pela existência alheia, plantar promessas e retirar-se como se nada houvesse acontecido, como se nada houvesse significado, jogando tudo em meio ao vácuo.

Você me disse que nunca sofreu por amor e, na hora, eu fiquei me perguntando como alguém na sua idade poderia ter passado ileso pelas ciladas desse mocinho-bandido. Mas, pudera, Heitor. Você nunca amou. Pensa que ama. Você confunde bundas, bucetas e peitos com amor, e abre a boca com toda a irresponsabilidade da vida pra dizer que ama. Ama o caralho, Heitor! Você patina pelas pessoas, vive dos momentos que consegue proporcionar a elas e, consequentemente, a si. Você não sabe o que é ter água pelo pescoço, arriscar dar mais um passo, não dar pé, se afogar, morrer e ressuscitar. Você brinca no raso, às vezes desequilibra e toma um leve caldo, engole um pouco de água, tosse, levanta, nem troca o lençol e já joga outra em sua cama. Você é tão superficial quanto risca a pele das pessoas. O problema é quando você pega gente sem pele como eu. Nascida queimada em terceiro grau. Sensível e intensa de doer. Aí você risca a alma. E dor de alma só sente quem tem uma o que, definitivamente, não é o seu caso.

É bem verdade que vivi muitos bons momentos com você. Excelentes. Perfeitos. Não sobrepujam a dor que você me causou, mesmo essas duas coisas estando separadas pela mais tênue linha que possa existir nessa vida. Ou talvez porque, pra mim, sejam coisas miscíveis. O fato é que você não tatuou só meu corpo, mas também minha alma. E ao final, você também não fodeu só meu corpo; fodeu minha alma, e agora tá fodendo outra por aí. Você segue um padrão podre, Heitor. Fétido. Desprezível.

Portanto, pra que saber de mim? Pra que eu saber de você? Morremos um para o outro no dia em que você desfez nosso laço, e mortos desaparecem. Decompõem-se. Pra uns viram anjos, pra outros demônios, e pra outros nada. Não acredito em anjos e demônios, Heitor, sabes bem disso. Restou-te o nada.

Com nada,

Helena

quarta-feira, maio 02, 2018

O tempo.



Querido Heitor,

Já são quase trinta dias sem você. O tempo anda voando a jato, moço. Ou seria eu que desfilo por sobre ele de forma diferente dos outros mortais? Enquanto estávamos juntos, Heitor, os dias me soavam como réplicas da eternidade. Esses meses reverberaram dentro de mim qual décadas, afora a impressão de antigos conhecidos pela afinidade imediata e absoluta, imprimida desde aquele dia em que você me devorou com seu olhar, na escada do lugar onde tudo começou. E terminou. 

Você me disse que seria pra sempre, Heitor. Na hora me pareceu frase pronta de samba-canção da década de trinta ou de alguma bossa de Jobim. Eu sorri, e ainda te atentei para a crueza daquela promessa bem tipo Auto da Compadecida, mas teus olhos brilhavam tanto diante da minha incredulidade que ela resolveu se render e eu escolhi, então, guardar o medo no bolso e andar na corda bamba da tua palavra. Em troca, só exigi fidelidade e, justamente, a única coisa que eu te pedi, Heitor, você me negou. Eu até acredito que você tenha tido a intenção, sabe? Faz parte da natureza da paixão querer eternizar tudo. Eu que não tinha o direito de me submeter a esse tipo de roleta russa. Definitivamente, não. 

Sim, já faz quase trinta dias, e por vezes ainda me pego afogando em culpas  relativas a isso, mas é costume do tempo não voltar pra ninguém consertar porra nenhuma, e se as civilizações, em geral, conseguiram sobreviver a essa lei imutável, eu também vou conseguir. Entretanto, de uma certeza interior não me privo: eu não te perdi, Heitor. Acho que, no fundo, eu nunca te tive. Tua essência é muito etérea pra alguém te segurar. Mas você, Heitor, você me teve, e não percebeu. Você sim, meu anjo, você me perdeu.

Com mágoas do tempo,

Helena.

terça-feira, maio 01, 2018

Pronome possessivo.



Meu Heitor,

Ouso começar a carta de hoje te chamando como sempre te chamei. Várias vezes comentei o quão eu achava magnífica a força embutida em um pronome possessivo, lembra? Por isso, Heitor, começo assim, ainda que a realidade grite o contrário. 

Faz tempo que não choro, Heitor. Mais de uma semana, sem derramar uma lágrima, acho. Não sei se é a dinâmica da vida trazendo as coisas pra os seus devidos lugares ou se é meu cinismo disfarçado que adora varrer meu lixo sentimental pra debaixo do tapete da minha existência. Se a segunda opção estiver correta, sinto dizer, estou fudida. Mas, de fato, desde que optei por fingir que você já não  existe, fiquei mais forte. Ou seria menos fraca? Não sei bem. Optei por te matar para poder seguir com o mínimo de paz até que o sentimento que ainda tenho por ti se esvaia por completo e as lembranças parem de me sufocar. Porque isso vai acontecer, Heitor, mais cedo ou mais tarde.

As evitações diárias que crio para poder te manter abaixo de sete palmos de terra, entretanto, não respeitam o sono. Eu não deveria, talvez, te dizer isso, Heitor, mas quando eu sonho com você o meu dia rui e ao mesmo tempo tua lembrança me inaugura por minuto e por completo. Paradoxo e intenso, não? Como minha vida todinha. 

Vou ficando por aqui, porque o sono já me entorpece. Imagino que esteja se perguntando se voltei  para o Rivotril que você tanto odiava, mas querido, me compreenda: por hora é necessário e contundente.


Com sono (induzido pelo Rivotril),

Helena

segunda-feira, abril 30, 2018

A queda.



Heitor,


É ainda com dor que te escrevo exatos 23 dias após teres me lançado de uma das janelas do infinito andar do prédio da nossa vida. Sabe quando a gente é adolescente e fica tentando adivinhar na rodinha dos colegas como é que a gente vai morrer? De acidente... de câncer... de ataque do coração... de tiro... de queda de avião. A gente imagina tudo, se vai doer ou não, se na porta do céu vamos encontrar São Pedro ou São Sebastião, se vão chorar em cima do nosso caixão... mas a gente nunca, nunca, Heitor, imagina que vai morrer fruto de um empurrão. Até porque as pessoas têm vivido em alturas tão rasas que não aconteceria nada, além de um reles tropeção. 

Mas foi bem disso que morri, Heitor. E doeu tanto, tanto! Ainda dói. É dor que não tem nome, dor que lateja por ainda não saber serenar. Não é dor de queda livre, de impacto inevitável com o solo duro e pedregoso. É dor de empurrão de uma mão a qual nunca se pode imaginar. É dor de traição. A mão amante, que amava me apalpar e me puxar os cabelos; a mão amiga, que me ninava no abraço mais terno que pude experimentar; a mão  artista, que me riscou de tintas das quais nunca mais hei de me livrar; a mão agora gélida, a me empurrar da forma mais covarde daquele infinito andar.

Portanto não foi a altura infinita que me fez morrer. Se fosse, Heitor, eu já tinha morrido há muito tempo. Foi o empurrão do meu cúmplice maior: foi você. Foi a forma que você elegeu pra me jogar lá embaixo. Sem suporte de impacto algum, sem rede de proteção, sem cama elástica, sem piscina de bolinhas. Mas agora nem importa mais, porque o que doeu, tá doído; tá doendo. E o que doeu mais foi aquele toque no ombro que implodiu por imediato as minhas vigas interiores e em segundos eu me vi coberta de escombros, envolta numa nuvem de confusão, e você de fora, observando tudo de camarote com uma Heineken na mão e na outra um pseudotrófeu que tudo indica que será o próximo a quebrar. 

Você, Heitor, como um ser invisível, entra e sai sem o mínimo de empatia no jogo da vida das pessoas. Permanece intacto. Aparentemente, vencedor. Passeia pelos destroços, chuta ainda algumas pedrinhas, arrisca um sorriso amarelo e insosso, acena a mão. Coletes à prova de bala, pra quê? Nada te atinge, nem a minha dor, nem a indignação da platéia, nem a mágoa da concorrência. Ileso e de consciência de pluma, você vira as costas e some agarrado com o troféu à tiracolo: já não mora mais ali, és apenas um curioso expectador.

Mas, e aí: Eu cai! Eu cai! E morri. E foi assim, meio-morta, que eu me percebi viva; os cacos, os estilhaços, pasme: estavam recheados de memórias e sentimentos, e emoções, que, embora em transe, vinham à tona sem que eu pudesse as evocar, posto que nem forças para encará-las eu tinha. Mas elas vinham por si só porque esses troços costumam ter vida própria.

Foi então que eu lembrei do nosso ninho. Da nossa vidinha, que eu achava que era tão somente nossa. Que você me fez acreditar que era pra sempre... lembra? Da noite caindo rotineiramente e de você acelerando em direção ao nosso cantinho, dizendo: "Chegou a melhor hora do dia" - você dizia ao mesmo tempo que tirava a mão direita do volante e pousava-a em minha coxa esquerda enquanto eu, suspirava, sorrindo, litros de  felicidade. Aliás, nem eu sabia onde cabia tanta felicidade... Eu, então, entrelaçava meus dedos nos seus e, sorrindo, cerrávamos a porta do nosso canto e nos preparávamos para conferir o relógio que marcara diuturnamente aquele momento. Eu te olhava por horas, e nem sei quantas vezes agradeci a Deus por estarmos ali, juntinhos, colados, um só, mesmo sem precisar passar na igreja pra regularizar isso. Mesmo sem alianças, sem vestido branco, sem padrinhos vestidos de pinguins e festa pra os chatos reclamarem - o importante pra gente sempre foi o amor, o momento, o agora. Não era assim? Nada disso era necessário. Necessária era a química, o magnetismo, o encanto e um penne à carbonara depois do sexo. Únicos ingredientes realmente imprescindíveis ao nosso amor. O resto é lembrança boa que a esponja do tempo é incapaz de apagar. Que faz a gente encher a boca e dizer que valeu a pena. Ainda bem que dor nenhuma invalida momentos inesquecíveis. Ainda bem!


Com amor,  Helena.

domingo, abril 29, 2018

Sobre.






Caro Heitor,


Hoje eu estava pensando no quanto fomos o máximo um para o outro e de repente tanto tudo reduziu-se a nada. Do nada. Depois de um término, gente como eu sempre fica procurando onde foi que errou, e mesmo encontrando vários desacertos, ainda assim, não entende como aquela suposta perfeição pôde se pulverizar diante dos seus próprios olhos e você não pôde fazer nada. Absolutamente nada. 

Sei que pra você eu fui um pouco de tudo. Mãe, esposa, namorada, secretária, copeira e puta. Sim, essa fui eu, durante todo esse tempo que passamos juntos. Aliás, talvez tenha sido esse o meu erro: ser completa demais para um ser tão medíocre como você. Eu sinto demais, falo o que penso, grito com a alma, e isso talvez tenha te assustado e te feito enjoar - como você mesmo pôde conjugar este último verbo, no pretérito perfeito. Ponto. Como quem enjoa de uma comida muito doce ou uma roupa colorida demais. E eu era mais ou menos isso pra você também: uma roupa que te aquecia, dia e noite, fizesse frio ou calor, e um pudim de leite condensado com calda de caramelo e geleia de morango, que, aliás, você adorava vestir e comer, respectivamente. 

Essa era eu. Sempre me desculpando pela gota do café que eu derramava na estante, pela toalha que eu esquecia de pôr no varal pra secar, pela sua cueca que eu esquecia de lavar, pelo computador que eu esquecia de carregar.  Mas, por que mesmo tanto perdão sem culpa efetiva? Na verdade, se você pudesse sentir o quanto tudo isso que você me fez passar dói, quem iria pedir desculpas seria você. De joelhos.

Já pensei em ligar pra você e te falar atropeladamente tudo que minha mente ensaia toda vez que aquela última lembrança me magoa. Pausa para um sorriso de canto de boca: até parece que algum ensaio vai me impedir de tremer ao ouvir seu oi do outro lado da linha. Mas a verdade é que nunca digo, nunca ligo e pelo andar da carruagem nunca direi, nunca ligarei. Primeiro porque ainda me restam algumas libras de amor-próprio e dignidade em algum cantinho aqui dentro. Depois, pra não perder tempo... não era você mesmo quem me dizia que eu não deveria atirar pérolas aos porcos? 

Sempre fui mais segura com palavras escritas, por isso escrevo. Escrevo para, talvez um dia, quem sabe, te enviar. Um dia, quando nada mais fizer sentido. Escrevo pra te relembrar o que a fugacidade embutida na sua personalidade esqueceu ou foi incapaz de perceber. Coisas sobre mim, sabe? Sobre o quanto eu sou boa e do bem. Sobre como eu nunca precisei vulgarizar pra ser mulher e sobre o homem que eu sabia te fazer ser. Mas também sobre aquelas coisas tão nossas que só eu sei. Sobre as coisas que eu já sabia sem que você tenha precisado me contar, ou pedir, ou guiar. Sobre a cama colada na parede e sobre seu corpo colado no meu. Sobre as viagens, os beijos e as madrugadas de séries, sexo e risos. Sobre a sua intensidade que você não sabe sustentar. Sobre as minhas fraquezas que você não conseguiu encarar. Enfim, sobre muitas coisas, e também, sobre os homens com os quais eu poderia agora estar. Ao final das contas, nada é com você, é comigo. E sobre como eu comprei seu pacote de ilusões e sobre como eu tenho pagado, em parcelas que me parecem infinitas, o alto preço de me jogar num abismo tão raso como você.

Com lembranças ternas e ao mesmo tempo cáusticas,

Helena


sábado, abril 28, 2018

Finish.




A intensidade desses últimos meses hão de 
reverberar por dias a fio e atropelar ecos pretéritos. 
O resultado é um bem estar perene e incomparável. 
Uma plenitude inefável. Um prazer inebriante. 
Uma sensação de bem estar inexorável. 
Uma certeza do bastante instante que se torna 
eterno enquanto dura.

(Mari Teixeira)


sexta-feira, abril 27, 2018

Idos Janeiros.



                                 Os idos janeiros nunca poderão apagar beleza alguma. 
                                         Quando a gente ama, o belo nunca entardece...

                                                                      (Mari Teixeira)

quinta-feira, abril 26, 2018

Sim e não.


Entre o sim e o não existe uma infinidade de 
possibilidades capazes de surtar a mente de 
quem ousar se debruçar em catalogá-las. 
(Mari Teixeira)